15. La Cafeteiur

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Adentramos a cidade como dois forasteiros no faroeste. Não aparentava ser um grande município, sendo o ambiente bem diferente de Solitude. Não haviam prédios grandiosos – o maior deveria possuir quatro andares –, nem grande movimentação pelas ruas.

Poucos carros circulavam, sendo a maioria deles, modelos esportes antigos. As casas apresentavam cores sóbrias em seus muros, cercadas por pequenos gramados e uma portinhola na entrada. Os pedestres andavam tranquilamente pelas ruas, como se estivessem em uma paz tão amena, que nada temiam.

Pessoas que passavam pelas ruas e cumprimentavam-se, sabendo que todos ali se conheciam. E nós, os estranhos que apareciam na cidade sem aviso prévio.

- Que lugar tranquilo! – Pierre anunciou ao meu lado, aliviado.

- Até demais. – complementei, tendo uma sensação não muito aprazível. Um lugar tão ameno só pode carregar alguns mistérios consigo.

- O que pretende fazer agora, senhorita? – ele procurava algo que pudesse nos oferecer uma pista, ainda buscando com o olhar. Procurei novamente o jornal, e constatei que não havia endereço algum, apenas o nome da cidade onde ele havia sido produzido.

- Bom – coloquei o jornal dentro do porta-luvas –, eu estou morrendo de fome. – e não precisei dizer mais nada. Ele parou na primeira Cafeteria que apareceu em nossa direção, estacionando o carro rente à calçada.

- Aqui está bom para você? – ele indagou, na frente de um local que se chamava La Cafeteiur.

- Desde que eu possa comer algo, qualquer lugar serve. – dei de ombros, pegando apenas a minha bolsa antes de sair do carro.

Não estava tão movimentado ali dentro. A decoração era tão harmoniosa, que tive vontade de permanecer ali para sempre. Várias mesas redondas e pretas estavam dispostas por todo o ambiente, combinadas com cadeiras brancas. As paredes apresentavam papéis de parede vintage, e por todo o local, vários objetos que remetiam épocas antigas estavam dispostos. O caixa ficava praticamente ao fundo, e bem no canto direito da La Cafeteiur, os balcões com as mais variadas opções de salgados, e dois atendentes, só esperando nossos pedidos para fazerem o café que fosse de nossa preferência.

- Quero um expresso comum, e um misto quente. – Pierre tomou a dianteira em pedir, como se imaginasse que eu fosse demorar uma eternidade para realizar meu pedido.

Um dos atendentes – cujo crachá informava Roberto como seu nome – anotou o pedido de Pierre, e logo se direcionou à mim.

- Quero dois pães de queijo, e um chocolate quente. – anunciei para ele, que logo sorriu ao ouvir meu pedido.

- Não é muito comum pedirem o chocolate quente nesta época do ano. – anunciou, e eu sorri de volta para ele.

- Gosto de coisas quentes! – e lancei uma piscadela em sua direção, divertida.

Nossos pedidos ficaram prontos, e nos direcionamos para uma mesa que ficava na outra extremidade da cafeteria.

- Você e sua mania de flertar com estranhos. – Ele soltou uma breve gargalhada assim que nos assentamos.

- Eu não estava flertando. – anunciei, minha voz sendo abafada pelo longo gole que dei em meu chocolate. Realmente, eu compreendia o motivo pelo qual ninguém fazia aquele pedido naquela época. Estava extremamente quente. Quase queimei minha língua.

- Se você está dizendo. – ele fez um sinal de deboche, se concentrando no misto quente em seu prato.

- Aliás, eu posso usar a minha simpatia iminente, para descobrir as informações necessárias. Precisamos achar essa gráfica responsável pelo jornal. – dei a primeira mordida no pão de queijo, e me questionei do porque de ter ficado tanto tempo sem comer uma gostosura daquelas.

- Já parou para pensar que o jornal pode ter simplesmente aparecido? Isso não precisa ter nenhuma ligação com mais nada. – Pierre falava entre uma mordida e outra, e as vezes, mastigando.

- E você já parou para pensar que esse é o único indício que temos no momento? – debochei da maneira como ele havia falado comigo, tentando arrumar argumentos sensatos. – Sei que pode parecer bobagem, mas minha intuição feminina me diz que o local onde o jornal foi produzido, tem uma forte relação com ele. – e dando uma pausa para fazer uma careta sarcástica, completei – Nossa, por que será que eu acho que o lugar onde o jornal foi produzido tem alguma ligação com o fato dele existir?

Pierre não estava a fim de discutir – mais uma vez –, dando apenas uma longa gargalhada.

- Eu não tinha olhado por esse lado. – e ainda com a voz divertida, disse – Mas tudo bem, senhorita Eu Tenho a Razão. Procurar por aqui pode ser nosso bom começo.

Terminei de comer os dois (fartos) pães de queijo que havia comprado, deixando o chocolate quente pela metade.

- Vou pegar um refrigerante bem gelado para compensar isso. – disse eu, já indo em direção ao frigorífero.

Fomos para o caixa pagarmos tudo o que havíamos consumido, e eu não pude deixar escapar a oportunidade de jogar um pouco de charme para o moço que contava nosso dinheiro para nos devolver o troco.

- Todo mundo aqui nessa cidade é tão interessante assim? – e lançando uma profunda olhada nele, mordisquei suavemente o lábio.

Ele corou completamente. Peguei o dinheiro que me devolveu, e já aproveitei para fazer a pergunta que eu realmente tinha a intenção de fazer.

- Eu sou jornalista, e me interesso bastante pelas coisas interessantes que o mundo tem a oferecer. – e fazendo uma pequena pausa para concluir meus pensamentos, disse – Tenho um grande interesse em conhecer o jornal local da cidade.

A expressão do moço suavizou, e agora ele já estava pronto para uma conversa casual.

- Ah, sim. O Liberativo não fica tão longe daqui, você pode seguir re...

- Não, não! – o impedi de continuar falando, já emendando. – Não é o Liberativo que eu procuro. – e fazendo mais uma pausa para atrair sua atenção, prossegui, mantendo minha postura firme. – O jornal se chama Gazetino. Sabe onde podemos encontrar?

O moço franziu o cenho, denotando todas as linhas de expressão em sua testa.

- Desculpe-me, moça. Mas o Gazetino foi desativado há anos atrás. – e com uma expressão de espanto no olhar, ele nada mais disse.

- Foi desativado? Mas por quê? – minha curiosidade era tanta que eu nem reparei nas pessoas furiosas que estavam na fila. Elas que esperassem.

- Logo após o que aconteceu com o dono do jornal. – sua resposta foi tão vaga, e ele parecia tão perturbado, que só comentou aquilo.

- E o que aconteceu? Desculpe-me, sou novata na cidade. Eu e meu amigo estamos aqui para um trabalho de pesquisa para nosso TCC. – e dizendo isso, apontei em direção ao Pierre.

- Bem... o dono do jornal se suicidou. – ele engoliu em seco, olhando para a pequena fila que já se formava. – Mas isso foi há exatos 10 anos.

Assenti para ele, agradecendo pela informação. Dei uma olhada de esguelha para Pierre, que ouvia tudo aquilo atentamente, achando cada parte daquilo, bizarra.

- Um suicídio! – ele exclamou assim que me aproximei de si.

- Pois é. Parece que o jornal possui uma relação bem mais íntima com o caso do que havíamos imaginado.     

Não foi suicídio! Onde histórias criam vida. Descubra agora