45. Verde Folha

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Belina – Verde Folha.

A cidade era bem diferente das outras pelas quais estivemos de passagem. Como o próprio nome já dizia, ela era ladeada por frondosas árvores que tomavam mais a dianteira das ruas do que prédios.

Prédios quase não haviam no local, o que formava a vista da cidade ainda mais aconchegante em seu esplendor, com inúmeras flores – lírios, gardênias, cáspia e azaleias – enfeitando as ruas, avenidas e praças.

E foi em uma delas, que aquela cena se desbravou diante de nossos olhos. Eu ainda viajava com Pierre. Guilherme nos acompanhava, pois, mesmo não tendo explicado como havia me encontrado em uma cidade pela qual eu nunca sequer tinha passado, eu ainda me sentia presa à ele, de algum modo inexplicável.

Nem tudo precisaria fazer sentido, já que nada naquela história toda se encaixava para mim. Por que não deixar apenas mais uma peça solta nesse emaranhado todo?

Lara ainda era um ser volátil, completamente impalpável e sem transparecer sua presença aos outros. Era a minha culpa materializada em forma de espectro. Meu ressentimento incorpóreo. Minha plenitude da culpa que dilacerava aos poucos meu coração.

De algum modo, eu sentia que não deveria voltar para Solitude ainda. Mesmo não sabendo, naquele instante, que o delegado Almir – o qual, supostamente, deveria estar atrás de mim, - era na realidade, o receptáculo da alma de meu namorado morto que havia ressurgido em seu próprio corpo.

Minha mente já estava insana com o acúmulo de informações dissimuladas, se soubesse eu então o que viria adiante, teria perdido de vez a lucidez, e me jogaria do primeiro prédio que aparecesse diante de meus olhos.

- Nós deveríamos pegar a estrada para bem longe! – Pierre sussurrava insatisfeito, olhando de soslaio para Guilherme. Ele estava desconfiado da aparição ardilosa de meu noivo, e totalmente insatisfeito por ter surgido daquele modo.

- Precisamos de dinheiro antes, você não acha? – retruquei, já puxando meu cartão. Havíamos parado não muito longe de um banco, então apenas fiz um sinal para os dois homens, de que eu iria rapidamente ali e logo estaria de volta.

Guilherme disse que iria comigo, então nem fiz objeção. Um misto de sentimentos passava por mim quando me pegava pensando naquela relação: eu gostava dele, verdadeiramente; mas temia o que ele poderia estar escondendo.

Ele voltara para mim bem mais silencioso, sorrateiro, misterioso e quebrantado em seus próprios pensamentos. Era o mesmo homem, mas com algo tão diferente pertencente à ti.

E aquela história toda de que meu pai havia tramado seu sumiço. Bem suspeito, era como se algo faltasse ali, para que eu finalmente acreditasse no que ele verdadeiramente tinha a me dizer.

Entramos no banco e sacamos o dinheiro. Quando saí pela frondosa porta, apenas pude notar o homem com uma adaga dourada, a empunhando contra o pescoço de Pierre.

Ele caiu no chão em um só baque e fui correndo ajuda-lo. Ninguém mais parecia notar o que havia acontecido. Era como se as pessoas estivessem tão ocupadas em seus mundinhos solitários e minúsculos, que não tivessem a capacidade de absorverem nada mais do que acontecia bem diante de seus olhos.

Um homem caía morto aos pés da humanidade, e a humanidade caía em direção ao próprio egoísmo que as consumia.

Corri até ele na esperança de que algo ainda pudesse ser feito, mas a adaga havia lhe penetrado muito profundamente em seu pescoço, jorrando sangue para todos os lados.

Pierre já não mais respirava, e caído diante de meus braços, permiti que minha roupa fosse suja pelo sangue que dele jorrava. Seus olhos eram esmeraldas perpétuas que circundavam sem profundidade o meu olhar.

Perdiam-se no vazio suas imensas esmeraldas, e a vida lhe era sugada do peito, deixando um vazio como uma lacuna que já não poderia mais ser preenchida.

Ele havia ido embora.

Guilherme estava à minha direita, sem nenhum sinal de que viria a me consolar. Seu olhar se mantinha duro no corpo desfalecido, aparentando até mesmo, satisfação com o ocorrido.

Lara estava à minha esquerda, murmurando que Pierre havia recebido o que merecia. E quando eu menos esperasse, a minha hora também teria que chegar.

Não muito longe dali, seis moços chegavam ao topo de um prédio. Todos estavam trêmulos, mas eles haviam tomado a unânime decisão, e nada poderia muda-la. Cada um deles era marcado por um pecado particular.

Cada qual carregava uma grande culpa dentro do peito, e precisavam se livrar daquele sentimento, para que pudessem, finalmente, tornarem-se libertos. O homem português os havia alertado sobre aquilo: eles não poderiam viver enquanto um resquício de coisas ruins lhes lapidassem a alma.

E eles se sentiam as piores pessoas do mundo. Era como se suas virtudes já não mais existissem, e eles só conseguissem pensar em tudo de ruim que já haviam feito. Algo dito inconvenientemente em uma hora inoportuna, a falta de gentileza e gratidão, aquela nota ruim que tiraram uma vez na prova de física.

Não importava o quão bem eles iam em outras matérias, naquele instante, tudo aquilo sumiu diante deles, restando apenas a culpa – a grandiosa, estúpida e irrelevante culpa – que os transformava em monstros.

Não que eles realmente fossem. Mas os pensamentos que tinham de si mesmos, fazia com que se sentissem uma escória para a humanidade. Eles não queriam mais viver naquele mundo onde eles tinham errado tantas vezes.

Não queriam mais viver com seus erros. Já não existiam sentimentos bons capazes de fazê-los alegres. Eles queriam se livrar daquela dor que tanto ocupava ali dentro.

E foi sem pensar uma segunda vez, que os seis, todos juntos, pularam de uma só vez, deixando para traz tudo de errado que já haviam feito, enquanto se esqueciam das coisas boas que fizeram e das pessoas amadas que deixaram.

Apenas, se debruçaram à cobertura do prédio. E saltaram.

Inevitavelmente, e inesgotavelmente para o abismo sem fim, onde acreditavam estar em busca de sua liberdade.

Quando na realidade, a escravidão apenas se dava início.

***

Tá acabando, gente!
(E sim, eu matei o Pierre!).

Beijos,

Julianna Rodriguez.

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