18. A escuridão

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O arrepio periclitante perpassava por mim. Subia em minhas vértebras, acariciava minhas veias, fervilhando o sangue que era bombeado.

- Pierre – chamei seu nome em um sussurro, permitindo que minha voz ecoasse pela vastidão do corredor abafado. Não havia corrente de vento que passasse por nós. Todas as janelas estavam fechadas, e a porta emperrada não apresentava sinais de que tão cedo seria aberta.

- Eu estou aqui, Bel! – sua voz respondia ao meu lado. Senti seus dedos delicadamente pousando em meus ombros, o que gerou em mim uma reação espontânea.

- Continue ao meu lado! – exclamei mansamente, alterando o tom de minha voz segundos depois – E trate de dar um jeito de ligar essa lanterna de novo!

Mesmo ao escuro, notei que ele havia aquiescido. Aquele gesto de consentir com a cabeça já era sua marca registrada, e nada mudaria aquele fato.

- O cão está por aqui! – engoli em seco, sentindo um formigamento em minhas vértebras.

- Que cão? – Pierre sussurrou em meu ouvido novamente, e desta vez, pude sentir seu hálito com mais precisão. – Você não vai começar com aquela história de cães do-do in-inferno de novo, né?

Seu fraquejar ao pronunciar aquelas duas palavras me fez abrir um breve sorriso, mas em seguida o tirei de meu rosto, lembrando da imagem do cadáver que sorria. Aquilo ainda estava cravado em minha mente de tal maneira, que não conseguiria facilmente esquecer daquilo que havia visto.

- Só pode ser! – me agarrei ainda mais à seu braço, puxando-o – Você ouviu o latido? – perguntei, ainda permanecendo imóvel ao seu lado.

Uma brisa gélida passou por nossos corpos, me fazendo quase desejar que aquele momento não estivesse acontecendo. De repente, o suicídio de Lara pareceu algo tão distante, como se não tivesse acontecido ontem.

Repentinamente, não havia mais sentido em nada. Como se minha vida inteira não tivesse passado de coisas impalpáveis, que agora, se desmaterializavam. Tudo era representado com meras lembranças que vagavam de maneira sem sentido em minha visão.

- Eu não escutei nada, Bel! – Ouvi Pierre respondendo, e dessa vez, o que senti em minha nuca não foi seu hálito ameno, mas sim uma brisa gélida que chegou repentinamente, batendo em minha nuca, e descendo em linha reta na direção de minha coluna.

Uma brisa que simplesmente surgiu do nada, pois não haviam janelas ou portas abertas. Mas aquele calor em forma de vento me embalou, pegando-me desprevenida.

- Ele está aqui! – sussurrei para Pierre, que já tentava ligar novamente a lanterna de seu celular.

- Ele quem? – retorquiu, e eu não sabia se ele se fazia de desentendido propositalmente, ou se ele realmente não sabia do que eu estava falando. Com uma paciência que nem sabia de onde eu conseguia arrumar, expliquei para ele sobre o homem que vi no apartamento, no momento em que a Lara se jogou.

E reforcei o que eu já tinha falado sobre o cão e os latidos que ela havia escutado antes de ficar completamente transtornada, e ter cometido aquele ato hediondo.

- Acho que você deve ter mencionado algo. – ele disse, pensativo. Conseguiu ligar a lanterna de seu celular.

Meu medo era a cada segundo mais crescente. Tinha medo de que assim que as luzes acendessem, o homem e seu cão estivessem prostrados à nossa frente. Ou pior: atrás de nós.

Mas apenas respirei fundo, esperando que ele ligasse logo aquela lanterna, e que achássemos uma saída de uma vez por todas.

Ele ligou. Não havia ninguém além de nós dois ali. Provavelmente, o ruído de cão que eu ouvira, era apenas uma imaginação minha. Deveria ser. Eu não aceitaria outra explicação menos plausível do que aquela.

- Parece que estamos sozinhos mesmo. – no fundo, aquilo em nada me aliviava. Mesmo sabendo que nos era uma alternativa bem melhor do que ter um assassino no mesmo lugar escuro que nós dois, a sensação de solidão (tá, o Pierre estava comigo. Mas dá no mesmo) era aterradora.

Dava aquela sensação de que por mais que não houvesse nenhuma presença física e viva ali, poderia haver uma presença maligna sobrenatural no ambiente. Nunca se sabe. Mas a escuridão e o vazio me traziam aquela sensação fria. E eu sabia que nada de bom poderia vir após isso.

Pierre se voltou na direção da porta, que estava bem rente às nossas costas, tentando girar a maçaneta freneticamente.

- Não adianta! – eu disse a ele, na expectativa de que o imbecil parasse com aquela estupidez, e começasse a pensar comigo em uma solução bem mais condizente com nossa situação atual.

- E custa tentar novamente? – ele especulou, puxando de maneira mais violenta a maçaneta da porta que estava à sua frente. – Eu não quero continuar nesse lugar abafado, na presença de um possível assassino. Não sei você, mas eu gosto da minha vida.

- Isso não vai acontecer, relaxe! – exclamei, notando que eu não havia respondido ao que ele havia dito, mas às vozes de meus pensamentos, que diziam "Ele vai pegar você também". – O suicídio da Lara foi um ato tenebroso, mas isso não significa que...

- Que...? – ele imitou, me compelindo a continuar o que estava dizendo. – Não significa que vá acontecer o mesmo com a gente? – ele já se virava em minha direção, com a luz da lanterna em meu rosto, e dizendo de maneira bruta. – O que aconteceu com a Lara não foi nem de longe um suicídio, okay?

- ELA SE JOGOU DA JANELA...

- Mas ela foi torturada psicologicamente por algum patife psicopata, que conseguiu fazê-la pensar que tirar a própria vida fosse melhor do que continuar vivendo. – ele retornou, e pude sentir o quanto sua saliva era expelida. – Aquilo não foi um ato de livre e espontânea vontade. Aceite isso, Bel.

O modo como ele falava comigo era estranho. Dava a impressão de que verdadeiramente se importasse com o fato de que eu ainda não aceitava que poderia ter existido um algoz por trás da morte de minha melhor amiga.

Muito embora, eu não teria ido até aquele lugar se eu não quisesse descobrir o que realmente havia acontecido. Talvez minha cabeça só estivesse confusa demais para tantas informações que eu deveria processar naquele momento, e sinceramente, eu não sentia vontade de ter que absorver cada detalhe daquela história tenebrosa de uma só vez.

Seria mais fácil acreditar que a Lara realmente havia se suicidado? Seria uma saída bem menos complicada. Quanto à isso, não tenho a menor dúvida. Quem sabe assim nós simplesmente entenderíamos que a vida acaba, e cada um possui um tempo certo para estar aqui.

E que o tempo dela, embora não houvesse acabado ainda, ela fizera questão de colocar um final. Para a finalidade de que aquela dor que ela sentia no peito, logo se esvaísse. Por preferir que tudo acabasse logo, deixando apenas a saudade para aqueles que ficaram.

Talvez fosse mais fácil de aceitar, mas a realidade, embora dura, deveria ser enfrentada de frente. Sempre!

- Tudo bem! – exclamei, já me dando por vencida. – Eu aceito isso, ok? Não foi suicídio!

- Ótimo! – Pierre lançou um olhar em minha direção, enquanto ainda direcionava a luz da lanterna para o corredor. Ele engoliu em seco, e embora eu tenha notado sua pele empalidecer, mesmo sob a baixa incidência de luz, ele apenas fez um gesto para mim. – Não olhe agora, Bel.

- O que houve? – perguntei baixinho, arregalando os olhos diante sua expressão de rosto congelada.

- Tem um homem aqui. Bem no final do corredor. – e fazendo uma pausa, ele estremeceu. – Está vindo em nossa direção.

Não foi suicídio! Onde histórias criam vida. Descubra agora