7. Aquele homem

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Durante nossa breve passagem pela vida, existem horas que passam com a imensidão de um mero segundo. Mas existem segundos que ficam marcados pela imensidão de uma hora, congelados ao tempo. Pausados como a palpitação de um coração em um lampejo de morte. E logo após esse breve segundo que carrega o peso do Universo consigo, vem a rapidez da realidade.

Foi o que houve quando vi Lara no parapeito da janela. Subsequente, uma explosão de imagens invadiu a minha mente, enchendo meus olhos com tudo o que eu estava vendo, mas nada fiz para impedir.

Como em cortes rápidos de lampejos, a imagem dela sentada no parapeito. Jogando-se abruptamente. Eu correndo em sua direção. O estilhaço de canecas caídas ao chão às minhas costas. Eu me apoiando ao parapeito. Avistando o corpo de minha amiga chocado contra o duro chão de concreto. O grito ensurdecedor emitido. O desespero exalado pelas minhas cordas vocais. As lágrimas que caíram instantaneamente em meu rosto. A dor que me invadiu o peito.

Todos os momentos registrados na rapidez de um mero segundo.

Não podia acreditar que aquilo havia acontecido. Recusava-me a crer naquilo.

Por um momento, quando meus olhos pousaram no corpo inerte de minha amiga contra a calçada, senti o mundo inteiro girando ao meu redor. Uma lágrima me cortou a garganta, pois essa é a finalidade de uma lágrima que desce única pelo rosto: transportar para fora de nós o que tanto pesa por dentro.

E a lágrima descia delineando minha face, perpassando a maçã de meu rosto protuberante, levando um gosto salgado à boca, e finalmente, encontrando seu fim após o queixo.

Uma única lágrima que consegui permitir descer. Uma única lágrima para o único segundo que mudaria minha vida de uma vez por todas. O sofrimento existia dentro de mim, tão natural quanto qualquer sentimento é inerente ao ser humano.

- Lara... – minha voz saiu sem a firmeza que lhe era característica. Carregava tanto peso em uma palavra, quanto uma lágrima era capaz de transportar tanta dor. Aquilo não deveria ser real. Nada daquilo.

A pessoa que eu mais confiava em meu mundo havia acabado de cometer o ato mais hediondo contra a própria vida.

Sentei no piso da varanda, permitindo que desta vez mais do que uma lágrima fosse a meu pranto derramado. Deixei que a angústia se tornasse meu refúgio. Que a dor me envolvesse.

Permiti a mim mesma ser fraca naquele momento, pois nem mesmo o mais forte entre os homens é capaz de tolerar a perda de alguém que ama. Meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas.

Levantei a cabeça, e me deparei com uma sombra masculina projetada na sala. Aquilo não estava me cheirando nada bem. Ainda abalada e cambaleante, levantei num impulso só, retornando para a sala.

- Tem alguém aí?! – perguntei, ainda receosa. Como numa daquelas cenas clássicas de filme de terror.

Não recebi nenhuma resposta de retorno, mas mesmo assim, avancei.

Era só o que me faltava!

Uma respiração farfalhada se tornava mais firme conforme eu adentrava novamente a sala. E a respiração não era a minha.

Um vulto enorme estava de costas para a entrada. Relativamente longe de mim. Usava uma capa preta que cobria suas vestimentas por completo.

- Quem é você? – perguntei, engolindo as lágrimas que ainda restavam. A marca do choro ainda permanecia em meu rosto, em uma linha.

Ele virou o pescoço em minha direção. Seu olhar apresentava surpresa em me ver ali. Seu corpo todo acompanhou o movimento de seu pescoço. Mas o homem nada fez. Apenas permaneceu imóvel a minha frente.

- Como você entrou aqui? – questionei, abraçando a mim mesma, como se meus braços fossem o refúgio que eu precisava para não ser pega por ele.

Seu rosto de feições rígidas e nada complacentes me encarava alucinado. Ele levantou o polegar em minha direção, e o apontou diretamente para a estante de Lara. Onde um jornal dobrado pendia logo acima do aparelho de DVD.

- É você, não? – perguntei, temendo mais que ele não me respondesse, do que desse qualquer resposta plausível. – O cara que estava na janela da Fabiane quando ela se jogou.

Ele nada me respondeu. Virou de lado.

Meus pés trêmulos estavam colados ao chão, e meu peito palpitante me mandava ficar longe do perigo. Eu não podia me aproximar dele, mas aquele silêncio era o mais incômodo que já tive que enfrentar.

O homem apenas fez outro gesto para que eu permanecesse onde estava, e em seguida, seus dedos indicaram as minhas costas. Dei uma olhada de esguelha à varanda, mas ela permanecia inalterada.

Girei novamente o pescoço para a frente. O homem havia desaparecido.

- Ah, fala sério! – soltei os ombros, com a dor de cabeça mais intragável. Eu estava sozinha uma vez mais, com um celular que insuportavelmente começou a tocar.

Era Pierre.

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