E como todos os dias, a madrugada havia chego. Dias iguais, dias rotineiros, difíceis de mudar porque aquela era a realidade de Anahí. Uma realidade que ela não desejava nem ao seu pior inimigo.
Como todas as noites, os carros iam e vinham. Carros com homens em busca de companhia, solteiros e casados, que buscavam nas ruas o que suas mulheres não podiam ou não queriam lhes dar. Homens feios e bonitos, magros e gordos, altos e baixos, de todos os tipos, tamanhos, sabores e cheiros. Cheiros que ficavam na pele, atormentando sua consciência, fazendo-a se lembrar das mãos que a tocavam, dos lábios que a beijavam e a mordiam, das palavras sujas que lhe eram ditas. Suja ela se sentia todas as noites, depois que o marido de alguma mulher, certamente inocente, saia de sua cama, deixando o pagamento por seus "serviços", e embora nenhum deles soubesse, também deixavam a vergonha flutuando pelo ambiente.
Anahí aspirou suavemente o ar impregnado pela umidade da chuva, e o cheiro de asfalto molhado lhe deu alguns segundos de paz. Ela abriu os olhos, e forçou um sorriso fingido às de mais companheiras de "trabalho". Um carro que ia entrando a rua, estacionou bem em frente a ela, a janela dianteira se abriu, e um jovem não passando dos trinta anos de olhos azuis pele clara e cabelos escuros fez a clássica pergunta de todas as noites.
- Quanto você cobra por hora?
- Setenta dólares, mais a gorjeta que você queira deixar lindo. - Respondeu tão automaticamente como se perguntassem seu nome.
- Entra então. - Falou sério, e assim que ela entrou e o carro partiu ele se apresentou.
- Muito prazer. - Disse estendendo a mão. - Meu nome é Ian. - Ela o cumprimentou e logo em seguida se apresentou.
- Anahí.
O resto do caminho os dois seguiram em silencio, porém ao perceber o carro parando, Anahí estranhou o lugar. Não era um hotel, motel ou nada do tipo, era uma lanchonete. Ian abriu a porta e deu a volta no carro, abrindo a porta para ela, e após o mesmo ajuda-la a descer os dois entraram. Anahí sem entender apenas o acompanhou até uma mesa.
- Você quer comer alguma coisa? - A postura séria de antes já havia dado lugar a uma bem mais tranquila.
- Desculpe, mas... O que fazemos aqui? - Perguntou confusa, e viu um riso calmo se formar no rosto do outro.
- Eu sou jornalista Anahí, e estou fazendo uma matéria sobre pros... - Ponderou. - Mulheres que vendem seus corpos. - Dessa vez foi ela quem deu um riso.
- Tudo bem me chamar de prostituta, é o que eu sou. - E viu, mesmo que disfarçada, a expressão de pena de Ian.
- Bom. - Continuou. - Como ia dizendo, quero fazer uma matéria sobre prostitutas, porém uma matéria onde tenha por objetivo principal mostrar a realidade de vocês.
- E... Dentre todas as mulheres que haviam naquela rua, porque me escolheu?
- Porque dentre todas as mulheres lá, você parecia a mais distante, pensativa e triste. - Respondeu sincero.
- É que... Vender meu corpo não é algo que me deixe muito feliz.
- E você nunca pensou em arrumar um emprego, largar esse "trabalho"? - Novamente ele viu ela rir, porém não um riso malicioso ou irônico, era realmente simpático, como se entendesse que ele não tinha culpa por não conhecer sua realidade.
- Infelizmente não posso me dar esse luxo, é muito difícil conseguir um emprego, quando nós somos vistas como a vergonha, o vírus da sociedade.
- Muito bem Anahí, eu espero poder mudar isso com a minha matéria, mas eu preciso da sua ajuda ok? - Falou descontraído, e viu ela confirmar com a cabeça. - Ok, me conte então. Qual a sua história? - Pediu, tirando um gravador do terno e ligando-o.
- Tenho vinte e cinco anos, me falta um ano para terminar os estudos, e meu sonho é fazer faculdade. - Ele a viu hesitar um pouco, porém logo em seguida voltou a falar. - Quando eu era adolescente, vivia com minha tia Valerie, já falecida, no mesmo lugar em que vivo até hoje, e bom... Aos quinze anos, ela me obrigou a me entregar para um homem, e a partir dai fui obrigada a vender meu corpo por dinheiro.
Os dois passaram boa parte da madrugada conversando, onde Anahí também lhe contou que já tentou inúmeras vezes arranjar um emprego de verdade, porém o mais simples dos trabalhos, como ser empregada doméstica já lhe fora negado. Ian insistiu para que ela comesse antes de irem embora, e após isso, ele lhe pagou e a deixou na mesma rua em que a encontrou.
No caminho de volta para casa, ele pensava em tudo que Anahí havia lhe dito, e se arrependeu... Se arrependeu de todas as vezes que reclamou das coisas fúteis da vida, pois haviam pessoas com verdadeiros motivos para reclamar e mesmo assim não o faziam. Ian chegou em casa, e ao ir para seu quarto, encontrou seu irmão Alfonso, sentado em sua cama a sua espera.
- Onde você estava Ian? Você deixou nossa mãe preocupada, e sou eu quem não durmo por causa disso. - Perguntou um tanto irritado. - Você estava com alguma mulher?
- Olha Poncho, sinceramente, não te devo nenhuma satisfação sobre isso, porque você também tem suas mulheres. - Ele viu o irmão deixar seu quarto, e se deitou para dormir, ainda atordoado com a história de Anahí.
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Todo Cambio
FanfictionSua vida não era algo da qual ela gostasse, nem seu trabalho algo do qual se orgulhasse. Ser pisada e humilhada por uma sociedade que em sua grande maioria é preconceituosa, não deve ser algo que se enquadre nos planos de alguém com apenas vinte e c...