Entre tropeços

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Eu a odiei! Bom Deus, eu simplesmente a odiei. Parecia terrivelmente clichê compará-la a uma das populares do ensino médio, mas essa era a melhor e mais justa descrição que eu podia usar. Ela era arrogante como uma popular do ensino médio, era injustamente bem vestida e bonita, e tinha aquele ar superior que só uma popular consegue ter. Eu detestei o pacote completo dela e principalmente detestei a forma condescendente com a qual ele estava falando comigo agora. Era inacreditável que ela tinha se negado a ouvir um não a ponto de vir até a empresa. Pensando bem, pessoas como ela tendiam a acreditar que o mundo podia ser facilmente manipulado de acordo com suas vontades.

- Ele estará pronto em um minuto - falei num tom baixo.

Tifanny bateu com seu sapato de salto no chão. Desde que tinha subido cerca de 5 minutos atrás isso era tudo o que estava fazendo.

Abri a boca com um comentário mordaz na ponta da língua, porém por sorte - ou não - o telefone tocou antes que minha língua afiada me envolvesse em uma nova encrenca. E me ocorreu que ele não havia parado de fazer barulho desde cedo. Como se para me trazer de volta ao presente, ela estalou os dedos, com unhas bem feitas e bem cuidadas, em frente ao meu rosto e suspirou.

Senti um leve latejar na minha cabeça e bufei. Era só o que me faltava, ter dor de cabeça por conta dessa mocréia! Olhei com um ar de deboche para a mulher na minha frente - Tifanny tinha uma grande parcela de culpa nisso.

- Atenda isso logo – sua voz subiu uma oitava irritada.

Baixei a cabeça para ocultar meu rolar de olhos.

- Alô?

- Deixe-a entrar - a resposta de Mabuchi foi tão breve quanto a minha saudação, e não me surpreendeu nem um pouco.

Uma sensação incomoda se instalou na boca do meu estômago. – Como desejar - pigarreei para responder. Coloquei o telefone na base e franzi os lábios para Tifanny. – Ele é todo seu – não me abstive de debochar. Pelo desespero que ela pareceu ficar ao ser rejeitada, e pela forma com a qual não foi capaz de aceitar um simplesnão, estava nítido que a senhorita Lewis, achava ter o rei na barriga. Eu odiava generalizar, mas era tão típico de gente rica ser muito egocêntrica.

- Oh! – ela sorriu. Não foi gentil. Tenho certeza que se uma serpente usasse batom vermelho, sorriria igual à Tifanny. Era um sorriso falso, e podre. O que era irônico tendo em vista suas roupas, e o perfume caro que ela exalava. – Vou aproveitar.

Engula suas palavras Jasmim, pense no salário...

Sorri tentando ao máximo imitar o sorriso hipócrita ainda presente em seu rosto.

- Tenho certeza que sim – desviei minha atenção para a tela do meu computador. O Google estava aberto, mas eu sequer lembrava o que queria pesquisar, todavia fiquei olhando para tela até ouvir a porta de Mabuchi abrir e então fechar.

- Vou aproveitar – a imitei fazendo a minha melhor voz monótona. Bufei.

Rolei meus olhos socando o teclado com a ponta dos meus dedos.

Quem quer saber se ela vai ou não?

Deus, que mulher irritante!

A sensação estranha voltou mais insistente. Azia! Minha mente mais do que depressa me ofereceu uma opção. Uma azia incômoda, assim como a presença de Tifanny.

***

Até o momento que entrei no elevador para almoçar, Mabuchi e Tifanny continuaram presos na sala da presidência.

Bati o pé no chão ao ritmo da música estourando nos meus fones de ouvido, uma das minhas músicas favoritas da Cássia Eller, e esperei as portas do elevador se abrirem. Eu tinha finalmente tomado coragem pra me aventurar nas ruas ao redor da empresa. Nas primeiras semanas tive medo de me perder, porém nas seguintes a preguiça assumiu o posto do medo e tomou conta de mim. Entretanto foi uma coisa boa tomar coragem de fazer isso, pois foi assim que encontrei a livraria do Will. Sorri sentindo a tensão dos meus ombros diminuir um pouco. Era estúpido que eu estivesse tão irritada sem sequer saber o porquê.

Suspirando abri o zíper da minha bolsa e pesquei uma barra de cereal de dentro dela. Não estava exatamente feliz em desmarcar com Will, mas ir vê-lo me deixava mais leve e queria saborear esse sentimento tanto quanto possível. Dei um passo para fora do elevador assim que as portas saíram, e devorei o restante da minha barrinha de cereal.

***

O sino na porta me anunciou, mas apesar disso, Will não me notou logo de cara. Tirei os fones e os deixei pendurado no pescoço, observando-o. Ele estava em cima de uma escada, esticando-se todo para mexer em alguns livros no topo da prateleira de uma das muitas estantes espalhadas pela livraria Spring. Era isso que eu mais gostava nesse lugar, a forma como os livros ficavam espalhados por tudo, sem serem organizados como em todas as outras livrarias que já conheci. Mas tampouco era bagunçada, era só... Era complicado de explicar, eu só me sentia bem estando por perto, era como se os livros simplesmente me fizessem sentir em casa ou algo assim.

Will olhou para trás como se sentisse meu olhar, e envergonhada acenei com a mão num singelo olá.

- Hey! – ele sorriu tropeçando e por pouco não caindo. Arregalei os olhos assustada, até que ele passou a mão pelos cabelos e balançou a cabeça sorrindo ainda mais. Meu coração deu um pulo dentro do meu peito. Não do tipo que sempre leio em livros, quero dizer, não me derreti por ele, apenas senti a necessidade boba de sorrir. Deus, eu não estava fazendo sentido algum!

- Hey! – repeti calmamente esperando que ele descesse da escada. – Está tranquilo por aqui – murmurei olhando ao redor da livraria.

- É – ele acenou. – Sempre é calmo durante a hora do almoço.

Fechei meus olhos pensando no que dizer, mas meus pensamentos se embaralharam totalmente quando Will esticou o braço e empurrou um livro( que estava prestes a encontrar no mundo). Um pedaço do seu estomago ficou de fora, e eu gaguejei com as palavras, sem sequer as falar em voz alta. Ele não fez isso para mostrar seu tanquinho sarado, como tenho certeza que muitos caras fariam, na verdade ele pareceu sem jeito quando me pegou olhando.

Soltei um riso estrangulado, beirando o histerismo.

- Desculpe – cobri os olhos com a mão envergonhada por ter sido pega. – Me desculpa mesmo!

- Tudo bem – ele riu.

Para piorar minha situação, meus olhos se moveram novamente para a extensão do seu corpo.

- Me desculpa mesmo! - Soltei um risinho. Ah, cara, ele era bonito mesmo! E bom Deus o que estava acontecendo comigo? Eu tinha voltado a ter quinze anos? - É que você é... Você sabe... – balancei a cabeça policiando minhas palavras. - Esquece.

- Eu sou o quê? – Will franziu a testa, divertido e confuso ao mesmo tempo.

Pobre Will estava tão perdido. Era adorável.

-Você é bonito! – falei por fim, e fechei os olhos em seguida. Eu tinha admitido isso em voz alta?

Will ergueu a sobrancelha e uma pequena ruga se formou entre suas sobrancelhas até que ele jogou a cabeça para trás. Mordi a língua decidindo me calar.

- Porque você está rindo? – indaguei.

Ele cobriu a boca, e precisei dar um ponto pelo quão duro ele tentou soar sério. – Por nada. Então você veio comprar algum livro?

- Não! - esfreguei os olhos. – Certo! – soprei o ar pelo nariz. – Na verdade não. Vou ser direta, não vou sair com você. - Isso fez qualquer vestígio do sorriso que havia antes em seu rosto sumir. – Quer dizer, ainda quero, mas não no sábado, e provavelmente não no domingo, porque é bem provável que eu durma no meu sofá a tarde toda.

Droga como eu podia tão facilmente bagunçar algo? Era só dizer algumas palavras, e de repente eu estava tropeçando entre explicações confusas.

Enfiando a mão no bolso da calça surrada, Will sorriu e coçou a nuca com a mão livre.

- Está livre na segunda?

Fui incapaz de conter um sorriso.

E bem assim, eu soube que deveria investir em Will.

Dar à luz a um bebê é mais fácil do que se preocupar com isso. – provérbio japonês.

*O significado desse provérbio quer dizer que muitas vezes ficamos com tanto medo de algo, que congelamos no lugar. A Jas ficou com medo de se perder pelas ruas de e quase não saiu para conhecê-las e por isso quase não conheceu o Will.

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Era Pra Ser VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora