(quase atrasada, mas estou aqui!)
*
Houve uma época em que minha asma estava nas alturas. Quero dizer, eu mal podia correr até a padaria sem sentir falta de ar. Nessa época eu comecei a me exercitar por recomendações médicas, para controlar minha respiração e consequentemente melhorar meu condicionamento físico. No início meu sedentarismo levou o melhor sobre mim, mas, após uns meses, correr se tornou uma espécie de escape calmante. Algo que cultivo até hoje.
Achei estranho estar me lembrando disso, até que entendi o porquê. Apesar de fazer muitos anos desde minha última crise de asma, reconheci estar com os sintomas. Ofeguei em busca de ar e, por um segundo enlouquecedor, minha visão escureceu. Eu mal fui capaz de entender o que a voz de Mabuchi dizia, até que ele me sacudiu.
– Você está bem? – ele perguntou.
Eu teria rido de sua pergunta se pudesse, mas só com consegui chorar, o que só piorou a crise. Sacudi a cabeça de um lado por outro. Puxei um pouco o colarinho do meu vestido, na esperança de afrouxar o nó invisível ao redor do meu pescoço me impedindo de respirar. Não funcionou e me desesperei mais. Tentei me lembrar de tudo que tinha aprendido sobre minhas crises durante todos esses anos.
Me acalmar.
Inspirar.
Soltar o ar.
Inspirar...
Acalmar.
Acalmar.
Acalmar.
Acalmar.
Merda! Eu não conseguia respirar.
– O que eu posso fazer pra ajudar? – ele disse. Seu tom estava urgente e desesperado.
Acalmar.
Acalmar.
Mabuchi gritou algo e o carro parou bruscamente. Fechei os olhos com força. Como em um déjà-vu estranho, ouvi a voz da minha mãe.
Cabeça entre os joelhos, ela dizia. Finja que está esfriando chocolate quente e sopre o ar pra fora. Se acalme.
Acalmar.
Acalmar.
Acalmar.
Acalmar.
Coloquei a cabeça entre os joelhos, e sussurrei baixinho "assopre o chocolate" como costumava fazer quando era mais nova. Não sei quanto tempo se passou, exceto que pareceu durar uma eternidade até que eu parasse de chorar e sentisse minha respiração normalizar. Fiquei com vergonha de olhar para cima, mas podia sentir dois pares de olhos em mim.
– Você está bem? – Mabuchi perguntou.
Lentamente ergui meu olhar e encontrei Mabuchi e o motorista, ambos me olhando com preocupação. Meu coração estava acelerado pela crise e meu rosto quente pela vergonha de ter os dois presenciando um momento tão íntimo e frágil. Por um segundo cogitei abrir a porta do carro e sair correndo, mas sabia que minhas pernas não iam me sustentar por muito tempo.
– Está tudo bem senhorita? – o motorista do carro perguntou. Seu rosto era um misto de gentileza e preocupação. Seus olhos castanhos contrastavam com sua pele um pouco mais escura que a minha e suas sobrancelhas grossas lembravam as do meu pai. Senti meu coração bater apertado ao pensar nele. Balancei a cabeça sem conseguir falar direito.
– Sim! – foi tudo que consegui balbuciar.
– Quer parar em algum lugar? Devemos voltar? – Mabuchi se manifestou mais uma vez. Desviei os olhos dos seus.
– Podemos, por favor, ir para o hotel? – minha voz tremeu.
Voltar para o meu apartamento não adiantaria em nada, eu continuaria nervosa do mesmo jeito. Depois de uma breve hesitação, ele assentiu para o motorista que esperava as novas instruções sobre o que fazer.
***
Nós não falamos uma única palavra durante o trajeto. Nós mal nos olhamos, ou melhor, eu mal o olhei, mas fui capaz de sentir seus olhos em mim o tempo todo. Quando finalmente chegamos ao hotel, nem mesmo a beleza e a arquitetura estonteante do lugar me tirou do meu estupor. A única coisa capaz de estourar minha bolha de proteção, e me fazer voltar para o mundo real, foram as palavras da recepcionista.
– Pode repetir seus nomes outra vez? – perguntou.
– Jasmim Sinclair e Gregory Mabuchi – tentei sorrir na esperança de melhorar minha voz e apontei para Mabuchi, que estava um pouco afastado fazendo uma ligação. – Dois quartos. Fiz as reservas por telefone – acrescentei quando ela digitou algo em seu computador e franziu a testa.
Mudei meu peso de lugar e soltei um suspiro. Mal podia esperar para me jogar na cama e dormir por pelo menos uma semana inteira.
– Temos um problema – ela sorriu de forma tensa, depois de checar seu computador mais uma vez.
– Problema? – olhei para Mabuchi, que agora vinha em nossa direção e soltei um novo suspiro.
– Como assim problema? – bastardo arrogante indagou, pegando um fio da conversa.
– Problema na reserva de dois quartos para o casal – a recepcionista explicou, parecendo estar prestes a ter um surto.
– Casal? – ri surpresa. – Deve haver algum engano – bati os dedos no balcão, nervosa. – Não somos um casal.
– É um inconveniente desagradável e... – ela tentou explicar.
– E é claro que vão resolver – Mabuchi cortou-a. – Vão arrumar mais um quarto, não é?
– Sobre isso...
– Não é? – ele a interrompeu de novo.
– Senhor – sua voz caiu e a coitada parecia mais nervosa ainda. Sua testa franzia, seu sorriso continuava congelado em seu rosto e seus dedos agilmente batendo nas teclas do teclado. Tudo ao mesmo tempo. – Todos os nossos quartos estão ocupados.
– O que isso quer dizer? – foi minha vez de cortá-la.
– Não temos mais quartos livres. Eu sinto muito, talvez haja uma forma de consertar isso, se vocês...
– Nós reservamos dois quartos separados e é o que esperamos que faça por nós – grunhiu ele ao meu lado.
Apesar do seu tom rude, eu concordava.
– Todos os outros quartos estão reservados ou ocupados.
Silenciosamente xinguei quem quer que fosse a força responsável pelo o que estava acontecendo. Porque de jeito nenhum eu ia me enfiar em uma cilada como aquela. Mabuchi e eu no mesmo quarto? Nós mal nos suportávamos na empresa, quem diria sozinhos em um quarto.
– Você só pode estar de brincadeira conosco – resmungou.
Rolei meus olhos. Uma vez bastardo arrogante, sempre bastardo arrogante. Olhei para ele.
– O que vamos fazer?
– Dormir no mesmo quarto, aparentemente! – ele riu, quase incrédulo.
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Era Pra Ser Você
ChickLitJasmim Sanclair é uma estudante de design fazendo intercâmbio em Nova York. Depois de ser assediada pelo antigo chefe, perder o emprego, ser barrada nas aulas e quase não ter mais um lugar para morar ela já deveria saber que nada seria fácil em sua...