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Era uma noite bonita, iluminada pela luz prateada da Lua. Nenhuma nuvem era vista, somente o infinito número de constelações que polvilhavam o céu noturno. A longa rodovia que liga Cambridge à Londres tinha um fluxo leve de veículos, pois o relógio se aproximava da meia-noite.

O homem sentado no assento do motorista dirigia seu carro numa velocidade baixa, já que não havia mais pressa. Ao seu lado, uma mulher de cabelos negros e olhos verde-esmeralda penetrantes, sorria para a janela, um sorriso de satisfação pelo dever cumprido. Ela conseguira realizar um enorme feito esta noite, mesmo tendo de sacrificar preciosos minutos com seu próprio filho. Mas a conversa com aquele garoto desconhecido tinha sido mais emocionante do que ela imaginara. E aquele pequeno sorriso e o olhar de agradecimento antes de ela ir embora fora realmente memorável para sua carreira de orientadora.

O marido a fitou enquanto ela abria um pouco a janela, deixando o vento frio da noite entrar e bagunçar-lhe os cabelos. A mulher soltou uma gargalhada quando alguns fios entraram em sua boca, um som que se sobressaía à batida acelerada de Don't Stop Me Now da banda Queen, que tocava alta pelas caixas de som do carro. Mas ela não fechou a janela, apenas cantou o refrão da música junto com o vocalista, numa voz que poderia se igualar a de Freddie Mercury.

O casal realmente parecia feliz, os olhos de cada qual brilhando ao fitar o outro, como se nada importasse mais no mundo do que o amor que sentiam. O tempo parecia parar enquanto eles se encaravam, um sorriso cheio de dentes em cada rosto, o vento fazendo seus cabelos dançarem em câmera lenta. Não me pare agora! A música parecia tocar em câmera lenta também. Eu estou me divertindo / Estou aproveitando / Não me pare!

De repente uma luz. Um clarão invadindo a janela ao lado do motorista. Os olhos verdes da mulher se arregalando lentamente e seu sorriso se escancarando num grito silencioso enquanto os dois faróis se aproximavam. Os lábios rosados se movendo para pronunciar a única palavra que viera a sua mente naquele último segundo. "Harry".

E então a batida.

***

O garoto abriu os olhos bruscamente. Seu coração batia descontrolado e o suor lhe escorria pela testa. Após alguns segundos atordoados, ele respirou fundo, o teto escuro do quarto lhe reconfortando. Virou-se de lado a acendeu a luz do abajur. A foto da mãe brilhou no porta-retratos. Não sabia que horas eram. Talvez madrugada. Ficou nesta posição por pouco mais de um minuto, até que um barulho no trinco da porta o fez se virar, bem no momento em que alguém colocava a cabeça para dentro e hesitava ao vê-lo.

- Oh, me desculpe - John disse numa voz suave - Pensei que estivesse dormindo.

- Que horas são? - Harry perguntou. O tio olhou no relógio de pulso.

- Duas da manhã.

- O que estava fazendo na rua até essa hora?

Um silêncio constrangedor se instalou no quarto meio iluminado. Então John acendeu a luz e se aproximou da cama. Ele usava um terno novo, sem gravata. Parecia ter ido a outro jantar importante. O cheiro de vinho confirmava isso.

- Por que está acordado?

Harry apagou a luz do abajur e se sentou, o cobertor cobrindo suas pernas. Era uma noite fria de primavera. Ele suspirou profundamente antes de responder.

- Tive outro pesadelo.

O tio ponderou por um minuto. Então puxou a cadeira da escrivaninha e se sentou.

- De que tipo, exatamente?

- Eu vi meus pais. No dia do acidente.

Mais silêncio. Um trovão soou ao longe. Iria chover na manhã seguinte.

Na Flor da JuventudeOnde histórias criam vida. Descubra agora