Epílogo

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Manhattan, NY, 16 de junho

Querida mãe,

Posso ter visto muitas coisas belas nesse mundo, mas nada se compara a visão privilegiada que estou tendo agora. Pois não é qualquer um que tem a chance de ver Ariane Hoffmann com uma pequena flor de pétalas brancas colocada na orelha, os cabelos soltos voando bagunçados pelo vento, as calças erguidas até os joelhos e os pés afundados nas águas da baía de Galway. E enquanto ela ergue os braços para o céu e sorri, mesmo com o coração acelerado pela cena, não posso deixar de pensar no risco que corríamos ao estar ali.

Quando chegamos na Irlanda, numa viagem como convidados de um velho amigo de Igor Hoffmann, este mesmo nos disse que poderíamos visitar qualquer ponto turístico da ilha de Galway, desde que não nos metessemos em alguma encrenca. O alerta servia principalmente por Ariane e eu estarmos juntos, pois não bastasse o convite de última hora - coisa que causou um grande alvoroço tanto para organizar outra passagem quanto para convencer John a me deixar vir -, Igor não queria deixar uma má impressão para seu amigo. E devo afirmar que também não queremos isso, porém é meio difícil não se sentir tentado a entrar numa água tão bela quanto a que margeia o Castelo Dunguaire. É claro que Ariane teve a ideia, eu já tinha me arriscado o bastante quando surrupiei aquela flor de um dos jardins para dar a ela. Os turistas são proibidos de arrancar flores, assim como são de entrar na água. Ou não são proibidos, realmente não sei. Pelo menos ainda não vi ninguém entrando ali para tomar um banho. De qualquer forma, é melhor ficar atento a qualquer sinal de seguranças enquanto escrevo. Eu poderia esperar até voltar de viagem já que quase não estou com tempo nessas férias, mas não consigo esperar tanto. Peguei emprestado um caderno e uma caneta no hotel, por isso, aqui estou.

Seria muita imprudência dizer que este ano, repleto de festas e acontecimentos que nunca antes chegaram perto de acontecer comigo, não foi o melhor da minha vida. Sinceramente, ocorreram tantas coisas que fiquei surpreso de conseguir passar por ele sem parar em um psicólogo que me ajudasse a entender um pouco do emaranhado que tomou conta de minha cabeça boa parte do tempo. E o mais incrível é que o início não foi nem de perto o mais aprazível. Lembro-me bem daquele primeiro dia, em que acordei atrasado, tive que correr para chegar à escola e ainda tive minha primeira experiência em uma festa que não incluía crianças pequenas correndo por todos os lados. Naquela mesma festa, me meti em minha primeira briga e foi a primeira vez que as pessoas prestaram atenção em mim por algo que eu fiz. Foram muitas coisas acontecendo pela primeira vez para alguém a quem nada definitivamente acontecia. E sei lá, é meio difícil pensar que de uma hora para outra a nossa vida pode dar uma reviravolta, e quando isso ocorre sempre somos pegos de surpresa. Mas acho que isso faz parte de nosso crescimento, não é? Se não fizermos as coisas pela primeira vez, poderemos nunca mais ter a chance de fazê-las. Assim como são essas coisas que definem parte de quem podemos nos tornar. Por exemplo, se eu não tivesse me metido naquela briga, não teria descoberto a história de Brian e mudado meu julgamento sobre as pessoas que durante tanto tempo chamei de "babacas". Aquilo me fez ver o quanto podemos nos tornar imparcias se não tivermos experiências suficientes para nos fazer mudar nosso conceito. Hoje tenho Brian como um amigo, mas pergunte ao Harry de agosto o que ele diria sobre isso?

Na verdade, pergunte se ele acreditaria no que vou lhe contar agora: John me deu um carro. Isso mesmo. Um carro! E não qualquer um. Foi um Escape! Vermelho, novinho, só meu. E ainda não me caiu a ficha. Achei que ele me daria um mais compacto. Quer dizer, eu realmente não achava que ganharia um antes dos dezoito anos, pois, convenhamos que John é um tanto quanto protetor demais. Não que isso seja ruim. Eu nunca disse a ele, mas sua forma de se preocupar comigo - e digo desde passar no meu quarto de madrugada até me proibir de tirar habilitação antes dos dezessete -, tudo o que ele faz me ajudou a superar o que aconteceu em minha infância. Imagine se eu não tivesse alguém como ele por perto, alguém bom, cuidadoso e extremamente cabeça dura. Não sei, talvez eu não teria me tornado quem sou. Não que eu saiba realmente quem sou, ou quem deveria ser, mas enfim. Todas essas pequenas coisas, somado ao melhor presente que ele poderia me dar - e deixo isso em destaque -, faz dele a única pessoa no mundo a quem eu não penso duas vezes em fazer o máximo para orgulhar.

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