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- Eu me preocupo em deixar um bilhete dizendo onde estou e não recebo a mesma preocupação. Isso me entristece.

John estava sentado em sua poltrona segurando uma tigela de cereal de aveia com leite quando Harry abriu a porta. O homem usava o velho pijama listrado e assistia TV. As palavras foram ditas distraidamente e ele nem mesmo desviou os olhos do programa que assistia.

- Desculpe - Harry fechou a porta - Eu tive um pesadelo e não consegui mais dormir. Então fui até os Labart. 

- Pesadelo?

- Nada demais. O que está assistindo?

- Trato Feito - John respondeu.

- Meu Deus! Como consegue assistir isso?

- Não sei. Como você consegue assistir The Walking Dead?

- Touché - Harry disse, derrotado.

Então se sentou no sofá e deu um sorriso desdenhoso, fitando o tio com os olhos semicerrados. Como o homem olhava para a TV, demorou um pouco para ele notar que estava sendo encarado.

- O que foi? - John perguntou.

- Onde você foi ontem a noite?

Aquilo fez o homem se engasgar com o cereal. Ele tossiu um pouco e quando recuperou o fôlego, respondeu tentando soar indiferente.

- Eu deixei um bilhete.

- Que não foi muito esclarecedor.

- Olha aqui - John pousou a tigela na mesa de centro - Acho que sou grande o suficiente para não precisar dar satisfação da minha vida para ninguém.

Isso fez Harry erguer as mãos em defesa.

- Ok, não está mais aqui quem perguntou - Ele se levantou e começou a caminhar em direção ao corredor. Mas então parou e deu meia volta - Posso te fazer uma pergunta? 

- Contanto que não inclua as palavras "jantar" e "ontem à noite"...

Harry se sentou novamente.

- Eu sei que vivemos os últimos dez anos em perfeita harmonia principalmente pelo espaço que damos um ao outro. Digo, não é que como se fossemos pai e filho, certo? Temos noção da vida um do outro, mas não compartilhamos tantos segredos como deveríamos, nem mesmo falamos muito sobre a vida pessoal.

John assentiu, seus olhos atentos atrás das lentes retangulares. Harry coçou a nuca. Era verdade que ele não contava ao tio a maioria das coisas que escrevia nas cartas, assim como o tio também não o dava detalhes sobre os "jantares importantes". Eles tinham esse respeito pela privacidade que fazia a convivência ser ótima. Mas, mesmo assim, Harry sentia que se não pedisse conselhos a alguém - alguém adulto, pelo menos - sua cabeça explodiria. Por isso continuou.

- Eu queria... Quer dizer, eu estou com um problema e não sei como resolver. Será que você pode me ajudar?

- Preciso de mais detalhes sobre o problema para que possa ajudá-lo - John disse, o que deixou Harry ainda mais nervoso.

Era um pouco constrangedor falar sobre um assunto tão íntimo com alguém mais velho, mesmo que seja da família. É para isso que existem os amigos. Nada como um jovem para entender as angústias de outro jovem. Mas a conversa com Matt, apesar de proveitosa, havia criado uma inquietação na mente de Harry e ele precisava de uma segunda opinião antes de tomar uma decisão.

- Posso contar na terceira pessoa?

John ergueu as sobrancelhas.

- É que será mais fácil - Harry explicou - Quer dizer, aí será como se eu estivesse narrando uma história. É mais fácil para mim, entende?

Na Flor da JuventudeOnde histórias criam vida. Descubra agora