Capítulo 08

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Depois daquele dia do show, minha relação com a Marília mudou muito. Todo aquele clima que rolou entre a gente estremeceu e muito nossa amizade. Parecíamos dois estranhos. As palavras trocadas entre nós agora eram apenas profissionais. Fiquei muito magoado com a atitude da Marília naquela noite do show. Ela simplesmente fugiu de mim, não me deixou explicar nada e, na única oportunidade que tive de falar o que sentia, ela me fala que não era o que eu tava pensando. "Não fiz aquela música pensando em você". Essa frase martelava na minha cabeça o tempo todo. Será que não mesmo? Será que eu estava me enganando? Eu tinha certeza que ela sentia a mesma coisa que eu estava sentindo. Será que não? Todas essas perguntas pairavam na minha cabeça.

Cumprimos nossa agenda profissional e era muito difícil ter que encontrá-la e não poder abraçá-la como eu fazia antes. Ela mal se aproximava de mim. Isso doía demais. Ver o meu amor ali, pertinho de mim e não poder fazer nada. Por que tinha que ser assim?? Ela se retraiu e eu também. Ela simplesmente se calou e eu também. Usei o orgulho como um escudo, uma arma mesmo sabendo que não tinha ninguém brigando ali. Aliás tinha sim, eu brigando com meus reais sentimentos. Fui covarde sim, admito, mas acho que ela foi mais. Tentamos forçar uma relação que não condizia mais com a nossa realidade. Fingimos que estava tudo bem forçando uma amizade, mas no fundo eu sabia que não estava.

Me pegava ainda distraído com meus pensamentos e eis que o telefone toca. Era a Marília. Atendi um tanto chateado e ela me diz que quer me encontrar pra mostrar novas composições. Tentei me desvencilhar daquela situação dizendo que estava cansado. Não sabia se estava preparado pra encontrá-la de um jeito informal, já que nossos encontros eram estritamente profissionais. Ela fica irrritada e eu não consigo me segurar. Ok eu me rendo. Dou uma risada e digo pra ela que tudo bem a gente se encontrar afinal, eu também estava com saudade e ela me convidou pra beber né. Me despeço dela animado.

Nossa, como será esse encontro? Eu penso. Tá certo que vamos conversar sobre trabalho mas de uma forma mais descontraída, e bebendo até ficaremos mais a vontade. Como nos velhos tempos. Vou pro banheiro tomar um banho e aparar a barba. Eu sei que a Marília gosta da minha barba, penso. Me dirijo ao closet e passo um tempo procurando uma roupa. Queria estar bem vestido para encontrá-la. Depois de certo tempo é que me dou conta de que havia demorado pra me arrumar. Imaginando que a Marília e o Tchula já haviam chegado me apresso pra descer e ir encontrá-los na sala. E quando estou nas escadas eis que olho e paro imediatamente. Ela também pára e me olha toda sem jeito. Lhe digo oi meio sem graça. Vou em sua direção e lhe dou um abraço. Que saudade que eu tava desse abraço. Que saudade que eu tava de protegê-la, dessa conexão que havia desaparecido mas nesse momento resurgia mais forte. Como eu tava precisando desse contato dela, do perfume dela, do toque dela. Passamos um tempo abraçados, pra matar a saudade de tudo e ao mesmo tempo para pedir desculpas por todas as coisas ditas dias antes. Resolvemos nos juntar ao outros pra conversar sobre as novas composições e a Marília me mostra elas toda animada e ansiosa ao mesmo tempo. Dentre todas as que eu li, uma me chamou mais atenção. Lógico que eu havia gostado de todas, mas essa era especial. A letra falava muito de mim e da Marília e então eu pensei em colocá-la no próximo DVD e convidar a Marília pra cantar com a gente. Falei isso e ela ficou um pouco receosa mas eu insisti. Nada mais justo do que contarmos um pouco da nossa história juntos no palco, cantando. Após um tempo ela me perguntou qual era a música que eu havia achado especial. A flor e o beija-flor, eu respondi.

Ainda conversamos sobre as composições, a Marília expôs algumas idéias, o Tchula também e eu e o Juliano ficamos muito animados com esse novo projeto. Depois de muito conversar, resolvemos beber de verdade. Meu irmão foi o primeiro a se entregar. Depois foi o Tchula. Só restou eu e Marília. Resolvi sair pra fumar e chamei ela pra me acompanhar. Chegando no jardim, sentamos num banco perto da piscina. Uma noite perfeita. Tudo tranquilo e eu em ótima companhia. Pedi pra Marília mostrar a melodia da música e naquele momento tive certeza que aquela música era nossa. A minha flor e eu o seu beija-flor.
Já me sentia bem cansado e resolvi deitar em uma rede que estava próxima ao banco. Pedi pra Marília se juntar a mim mas ela negou. Insisti e ela se manteve firme. Insisti novamente e ela finalmente cedeu. Deitou ao meu lado na rede e eu a abracei pedindo desculpas pelo que havia acontecido no show. Ela tentou mostrar que tava tudo bem mas eu continuei. Disse que precisava lhe dizer o que estava sentindo. Que sinto que preciso protegê-la e sinto muito ciúmes dela. E quando ela tentou argumentar eu simplesmente falei
- Eu amo você.
Por mais que estivesse um pouco tomado pela embriaguez, eu sabia muito bem o que estava fazendo, e o que acabara de falar era a mais pura verdade. Ela respondeu que também me amava e depois disso, continuamos em silêncio até o nascer do dia.

Acabamos adormecendo pelo cansaço e pela bebedeira da noite passada. Estava em um sono muito tranquilo quando senti alguém se mexendo perto de mim. Abro os olhos bem devagar e olho a Marília tentando se levantar da rede. Ah, não tinha como não acordar tão bem assim. Lhe dou bom dia e recebo em troca um beijo na bochecha. Que sorriso mais lindo que ela me dá. Como eu amo esse jeitinho dela. Resolvemos nos levantar e acordar os meninos no estilo mais sapeca possível. O nosso estilo. Entramos em casa e fomos direto pra cozinha pegar copos com água. Jogamos nos meninos e meu irmão ficou irado comigo. Mas não tinha como não achar graça daquilo tudo né. Após a brincadeira fomos nos recompor. Subi pra tomar um banho e o estômago começou a reclamar. Decidi que ia chamar o pessoal pra almoçarmos juntos e quem sabe discutirmos novas idéias.

Desci e convidei todos pro almoço. O Tchula avisa que não vai poder ir porque tem um assunto pra resolver no escritório. O Juliano avisa que vai encontrar o namorada. Só restou a Marília e eu fiquei na expectativa de que ao menos ela aceitasse meu convite. Joguei todo o meu charme e ela prontamente aceitou. Nos dirigimos ao carro e eu, cavalheiro como sou, abri a porta do passageiro pra ela entrar e depois dei meia volta e entrei. Sugeri um restaurante que eu gostava de ir e a convenci a irmos até lá. No caminho tocavam músicas que eu e ela conhecíamos bem, então cantamos acompanhando o cantor até chegar no restaurante.

O lugar era simples porém confortável e tinha som ao vivo. Nos sentamos em uma mesa um pouco isolada e escolhi o cardápio garantindo à Marília que ela iria gostar. Uma música começou a tocar e eu mais que depressa e sem pensar direito levantei e convidei a Marília pra dançar. Ela ficou surpresa então insiti, ela aceitou um tanto receosa. Nos conduzimos ao local mais próximo de onde a música tocava. Peguei em sua cintura e ela me abraçou e assim começamos a dançar. Assim que a toquei, aquela sensação voltou mais forte do que nunca. Sentia meu coração acelerar. Um certo nervosismo começou a tomar conta de mim. E de repente, parecia não haver mais ninguém ali, só nós dois em nosso mundo. No embalo da canção puxei a Marília pra mais perto, colando nossos corpos, e aquela sensação aumentava dentro de mim e cada vez mais eu sentia que a queria por perto, mais perto. Fui me aproximando cada vez mais dela, envolvendo-a, desejando que ela sentisse aquilo que eu estava sentindo naquele momento. Não importava mais nada, não importa mais ninguém, era apenas eu e ela. Cheguei perto do seu ouvido e sussurrei uma parte da música. Estávamos tão envolvidos pelo momento e pela canção que ficamos ali, com os corpos colados e a testa encostada uma na outra. Eu imaginava e sentia mil coisas e mais do que nunca desejava ter ela assim, comigo, pra sempre.

Só mei dei conta que a música havia acabado quando ouvi as pessoas aplaudindo e, ao abrir os olhos, vi que só havia eu e a Marília dançando envoltos pelos que estavam ali admirados com nossa performance. Recebemos elogios do cantor que falou sobre o quanto eu a Marília nos amávamos. Nossa, nesse momento o sentimento de culpa tomou conta de mim. Sim, eu admito, agi sem pensar. Mas ela sempre fazia isso comigo.
Nos dirigimos a mesa em silêncio. A Marília tentou contornar a situação com brincadeiras e puxando assunto. Mas eu não estava ali. Estava perdido em meus pensamentos. Lembrei do show. Da minha tentativa frustrada de falar pra Marília o que eu estava sentindo. Lembrei da Mayara. Meu Deus, precisava resolver minha situação com ela. Isso não podia mais ficar assim. Lembrei da noite passada, quando eu disse pra Marília que a amava e ela me disse que sentia o mesmo. Mas que tipo de amor dela por mim era esse? Essa pergunta me atormentava. Estou confuso demais. São muitas coisas pra pensar.

Comemos e depois fomos embora. Não consegui mais conversar sobre nada. Seguimos em silêncio até a casa dela. Assim que chegamos, a levei até o portão. E quando eu ia me virar pra ir em direção ao carro, ela segura minhas mãos e olha bem nos meus olhos. Esperei ansioso pelo que ela ia falar. Mas ela apenas agradeceu pelo almoço e eu retribui agradecendo pela dança. Lhe dei um abraço, me despedi e fui embora. Do que eu tenho tanto medo? eu pensei.

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