Do outro lado da rua, Marcelo corria com um pedaço de pão de trigo com manteiga, havia acordado tarde naquele dia e estava atrasado para o trabalho. De longe viu sua vizinha com a mesma roupa de ontem e com uma cara de sono, se espreguiçando ao lado de um senhor mais velho. Perguntou-se quem era por curiosidade e entrou no carro com pressa. Estranho pensar ainda que a casinha amarela que ele tanto almejou por anos agora tinha dona, e que dona!
– Seu novo vizinho? – George perguntou enquanto olhou com desdém para Marcelo saindo de carro – Muito bonito ele, já flertou com você?
– Ao contrário de você, pai, há homens nesse mundo que podem olhar para o sexo oposto sem querer sempre algo mais. E o nome dele é Marcelo, me ajudou nas compras. –
– Ana, vivemos em uma sociedade patriarcal e não sou que irei mudar. Você se mudou para um país com índice altíssimo de feminicídio e violência contra a mulher. Eu prezo por sua segurança e gostaria mesmo que você voltasse comigo e com sua mãe. Aliás, quando foi a ultima vez que viu sua mãe?
– Não a vejo há uns quatro meses. Você sabe como ela é, some e volta. E eu sei me cuidar! Afinal, sou uma bruxa! Oras – A garota bufou, apesar do que tinha tido, não sabia usar sua magia sobre estresse ou quando estava nervosa. Para praticar qualquer ato mágico, precisava de autocontrole – Eu sei me cuidar pai, prometo.
– Não faça promessas aos quais não pode cumprir.
George deu um beijo no rosto de sua filha e se despediu, sua viagem rápida era somente para verificar a segurança de sua filha, ele já tinha planos para ir a Roma no fim de semana com sua nova amante inglesa. George era casado com a mãe de Ana, Samantha. A relação deles somente eles entendiam, apesar de serem casados, optavam por namorar outras pessoas num curto período de tempo e acabavam juntos numa cama de hotel em qualquer lugar do mundo matando a saudade. É assim antes mesmo do nascimento de Ana, só ela sabia como era difícil o relacionamento entre feiticeiros, tanto que somente se apaixonou uma vez aos dezessete anos, infelizmente por um bruxo que queria apenas curtição, coisa que Ana não procurava na época. O nome dele era Miguel, um peruano que havia conhecido num festival de música em Filipinas, foi amor a primeira vista, mas somente para Ana.
Depois de um banho demorado e bem banhado, Ana Lucia resolveu dar uma volta para conhecer a cidade. Optou por uma roupa fresca, estava no fim do outono, porém o calor predominava naquele dia. Sem sinal de chuva, ela saiu apenas com o baralho no bolso de sua jardineira e as chaves de casa. Um chaveiro iria bem para aquele punhado de chaves, e foi essa a primeira parada dela: numa feira olhando pingentes de feltro para colocar nas suas chaves. Depois de um dia longo, conhecendo algumas cafeterias e lojas do centro da cidade, a menina-mulher sentou-se numa cafeteria, exausta e pensando que teria que pegar um ônibus para voltar, mas qual? Pensando nisso, após terminar seu café, foi determinada buscar ônibus.
Se foi coincidência ou não, acabou encontrando Marcelo enquanto vagava perdida pelo centro buscando um terminal ou informação. O olhar de surpresa foi de ambos e por um momento, Marcelo encarou-a com uma cara feia, não sabia como a menina podia ser tão bonita e pequenina, Ana definitivamente era muitos centímetros mais baixa que ele.
– Oi. Está tudo bem? Está me olhando estranho – Ana disse, envergonhada –
– Desculpa a cara feia, tava pensando em outras coisas. O que faz por aqui?
– To meio perdida, sabe onde eu encontro um terminal? Ou que ônibus eu pego pra passar perto de onde eu moro? Eu peguei um ônibus aleatório quando vim e nem olhei o nome.
– Eu te dou uma carona. To indo pegar meu carro na oficina, vamos juntos? – Ana assentiu e foi seguindo com pressa tentando acompanhar o passo do homem muito mais alto que ela – Veio conhecer a cidade?
– Uhum. Foi bem cansativo, mas tem umas cafeterias muito boas! E tomei uma coisa muito estranha e até gostosa: açaí com banana. No começo achei esquisito o sabor, mas me acostumei! É bom.
– Se eu te disser que eu não gosto de açaí vou ser menos brasileiro? – Marcelo sorriu – Prefiro sorvete de chocolate ou outra caloria mais bem gasta que açaí. Já experimentasse brigadeiro?
– O que é brigadeiro, Marcelo?
– Por favor, pode me chamar de Celo se quiser.. Brigadeiro é um doce típico brasileiro. Minha filha trouxe pra mim um punhado deles, quer experimentar?
– Quero! Que guay! Vou conhecer um pouco da sua cultura!
– Guay?
– É, não sei traduzir isso pro português, sinto muito.
– Mas é bom?
– É super bom!
Algo chamava a atenção de Marcelo naquela mulher, não sabia se era seu entusiasmo natural ou a beleza notável naquele rosto ingênuo. O caminho foi silencioso, ela quase dormirá no carro de tão suave que ele manuseava aquele veículo, obviamente a estrada também ajudou. Acabou cochilando nesse meio tempo e perdeu todo o objetivo que tinha de memorizar o caminho de volta para a casa. Assim que chegaram na casa de Marcelo, Ana se sentiu um pouco nervosa e hesitante e ele percebeu isso quando ela parou na porta olhando para tudo que havia dentro, inclusive para o rapaz.
– Está tudo bem, Ana? – Ele perguntou receoso –
– É que nunca entrei na casa de um desconhecido. Não vais me assassinar, certo? Meu pai disse que violência contra a mulher é muito grande no Brasil e eu não sei me defender. – Ela disse totalmente nervosa, mexendo entre seus dedos e olhando pra baixo. – Não sei se é certo eu entrar. Me desculpa, vou pra casa, agradeço a carona. Boa noite!
Já havia escurecido e ela correu para casa sem olhar para trás. Não importa o quão bonito o rapaz era, não importa se era simpático ou não, ela prezou por sua segurança em primeiro lugar. Sua mãe estaria orgulhosa se visse essa cena. Ela podia não conseguir manejar sua magia quando ficava nervosa, mas sabia como sair de situações onde ela pudera ficar assim. Num festival em Toronto de Jazz um homem tentou agarrá-la e ela não podia usar sua magia ali, de fato, nem conseguiria. Então gritou tão alto que pessoas ao redor ouviram e foram ajudá-la. Apesar de ter se sentido culpada por sair daquela maneira da casa de Marcelo, achou que era o melhor a se fazer. Cerca de uma hora depois, já de banho tomado e pijamas, Ana via televisão e tentava aprender os dialetos do jornal que passava. Anotou algumas palavras como maneiro; massa; legal; feijoada, para pesquisar depois o significado. Estava quase pegando no sono quando sua campainha tocou e ao atender a porta, deparou-se com uma menina muito linda e com covinha no rosto e de longe, Marcelo olhando a menina e ela.
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A Feiticeira
RomanceAna Lucia Franco é uma feiticeira de 22 anos que vive mudando de lugar cada vez que espalha sua magia demasiadamente. Aventureira por si só, fala mais de 15 idiomas e sabe mais sobre cultura do que si mesma. Aos quatorze anos, como é de costume na b...