Capítulo 1

437 96 246
                                    

Quando me formei, a primeira coisa que fiz, foi arranjar um lugar só meu. Morei com minha mãe até o fim da faculdade e já tinha atingido meu limite. Amo minha mãe, mas ela é mais uma irmã. Desde que se separou do meu pai vive como uma eterna adolescente entre calças jeans e novos namorados a cada semana.

Encontrei um apartamento quarto e sala, bem pequeno, perto da casa dela. Meu pai o deu para mim como presente de formatura. Passei muito aperto morando lá. Infiltrações mil, baratas no verão mas era lá que eu morava quando preenchi mais um lugar na minha palma de pessoas especiais.

Na faculdade me sai muito bem. Tirava as melhores notas e, no segundo ano, passei um ano fora em um curso na França. Meu currículo era muito bom mas, como nunca tive estômago para a babação de ovo, foi difícil conseguir um bom emprego no começo.

Enquanto alguns colegas, não tão bem graduados já tinham se estabelecido graças a sua " devoção" a certos professores, com seis meses de formada ainda trabalhava como caixa em um banco de manhã e procurava, por um estágio que fosse, a tarde.

Foi num dia, depois de uma entrevista desastrosa já que, aparentemente, não ser puxa saco de professor na faculdade é algo deletério, cheguei em casa e não tinha nada na geladeira.

Agora, o que uma mulher faminta, rejeitada mais uma vez em uma entrevista, que já teve problemas com seu peso, e esta sem namorado, pode fazer em casa, no fim do dia, sem comida?

Pois é. Peguei minha sacolinha de tecido bege para as compras, costume que adquiri no estágio que fiz na França, e fui em busca de sorvete. Morava bem perto de um supermercado, desses grandes que tem de tudo. Fui caminhando.

Chegando lá me dei conta que não poderia viver de sorvete e decidi comprar pão para fazer um lanche. -Isso, pão!- pensei comigo, e automaticamente estava desejando aquele pãozinho.

- Três pãezinhos- eu pedi três porque um não dá, e pedir só dois da vergonha.

- Acabou o pãozinho, moça- disse a atendente um pouco irritada. Já devia ter repetido aquela frase algumas vezes e visto algumas caras de decepção como a minha.- Mas tem baguete- e então ela apontou para o que, em toda minha vida, mesmo tendo morado um ano na França, era a maior baguete que eu já havia visto. Tipo um metro e meio de puro pão - E é a ultima - completou.

Olhei aquela baguete pelo que pareceu muito tempo e decidi pegá-la. Essa baguete eu não esqueceria nunca mais.

Depois de alcançar um pote de sorvete -chocolate belga, é claro - fui para o caixa e paguei a conta. A seguir sofri o drama de acomodar aquela baguete, que mais parecia uma bengala, em minha bolsa de compras. É obvio que mais da metade dela ficou para fora o que chamou a atenção de muitas pessoas.

Assim que sai do mercado me surpreendi com algumas pessoas amontoadas, paradas observando, e buzinas sequenciais ensurdecedoras. Mesmo assim continuei meu caminho pela calçada quando avistei o motivo de tanto estardalhaço. Alguém estava tentando parar um carro enorme, dessas SUV, em uma das vagas próximas da guia mas não estava conseguindo. E já devia estar tentando ha algum tempo porque, como a rua era estreita e de uma única mão, a fila de carros acumulados sem poder passar ia além da visão.

Eu já disse que sou uma ótima motorista? Modéstia à parte, comigo não tem essa de mulher dirige mal. E eu tenho um dom natural para balizas. Não importa o carro nem o tamanho da vaga, eu estaciono. Nunca imaginei que um dom como esse fosse mudar minha vida. Sem pensar, cheguei perto de carro que ia para frente e para trás sem sucesso, e bati no vidro.

- Sai de novo que eu te ajudo aqui de fora. - eu disse em voz alta.

O motorista abriu o vidro e saiu com o carro da vaga.

- Vai um pouco mais para frente, tem que emparelhar com o carro que já está estacionado. Aí vira todo o volante para a esquerda e vem vindo de ré de vagar. Isso pode vir. - eu estava atenta para quando o farol daquele tanque ficasse paralelo com o do que já estava na vaga. - Agora não para de vir devagar, mas vai desvirando o volante. Isso vem, pode vir mais um pouco. Pronto! Está na vaga! Agora é só acertar para frente.

Dei as instruções como se estivesse falando com o próprio carro. Um ser inanimado. Totalmente alheia ao motorista. Eu e minha sacola no ombro.

- Obrigada, moça!- gritou o senhor do carro de trás, que agora estava livre para seguir.

- Até que enfim - bradou uma senhora em outro carro passando.

Automaticamente, virei-me e continuei andando na direção de casa.

- Muito obrigado mesmo! - disse o motorista atrapalhado tirando a cabeça para fora do carro, agora estacionado.

E, quando eu me virei, não pude acreditar no que vi. Simplesmente o homem mais lindo que eu já tinha visto. Ele tinha o cabelo castanho claro curto com um pouco de topete. O nariz era fino e os lábios desenhados. A linha do maxilar bem marcada e os olhos mais azuis do mundo. Ele estava com um ar um pouco tenso, mas tinha passado por momentos estressantes, por assim dizer, na missão de estacionar aquele tanque.

Nunca fui de ovacionar homens bonitos, mas esse me surpreendeu. Quem diria que no mesmo dia eu encontraria a maior baguete do mundo e o homem mais lindo também!

- Não por isso.- disse com firmeza, não entregando meu encantamento por aquela visão do Adones.

E continuei meu caminho. O que mais eu poderia fazer? Então ouvi:

- A propósito, bela baguete! - disse ele pela janela do carro.

Senti meu rosto queimar. Sem me virar continuei andando e ergui o braço em uma saudação.

- Muito obrigada. Ela foi a grande conquista do meu dia.

Segui meu caminho.

Os Cem Melhores FilmesOnde histórias criam vida. Descubra agora