Capítulo 46

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"Oh, mas você deveria. Deveria se importar"

Psicose


– Isabel Mendes, uma arquiteta de sucesso! – esse é Eduardo. Ele vem fazendo chacota, com uma revista nas mãos. – Jovem promissora vai receber o prêmio de arquiteta revelação do ano no próximo mês.

– Pare com isso, Eduardo! – digo tentando tirar-lhe a revista dão mãos.

Ele se desvia. Com um movimento habilidoso me levanta e me põe em suas costas.

Carregando-me como um saco de batatas ao redor do estúdio, continua lendo partes do texto para os outros integrantes da banda que apenas sorriem.

– Me põe no chão, Edu. Por favor.

Ele obedece.

– Por que você não nos disse que ganhou um prêmio, Bel? – pergunta Carlos parecendo realmente interessado.

– Eu achei que vocês não iriam se interessar por isso. Deixa eu ver essa revista, Edu.

Ele me passa o monte de papel brilhante e passo os olhos pelas fotos. Todas elas sou eu e nenhuma delas é. Não me reconheço nelas.

– Nossa, você está lindíssima nessas fotos. – diz Getúlio espiando por cima de meus ombros.

– Nada como uma boa maquiagem e um photoshop, claro. Nem parece comigo.

– Parece sim! – Eduardo toma a revista de minhas mãos. – Isso é meu!

Mostro a língua infantilmente.

– Então você é uma arquiteta talentosa, também. Além de uma estrela do jazz. – galantea Carlos.

– Que tal, para comemorar tudo isso, não deixarmos nossa estrela escolher uma música para o repertório?

Ouço a proposta de Eduardo e não consigo disfarçar minha excitação. Sorrio como uma criança. Eu queria aquilo há algum tempo.

– Que tal? – ele reforça.

– Acho que podemos confiar em nossa garota prodígio. – Carlos dá o voto de confiança.

– Não sendo uma música do Sepultura, eu topo. – diz Getúlio não tão confiante.

– Podem ficar sossegados, rapazes. Tenho a música perfeita. Quero cantá-la faz tanto tempo. Tenho certeza que não vou decepcioná-los.

Os dias estavam passando rápido demais. As coisas aconteciam sucessivamente fazendo tudo parecer um grande bloco no tempo. O sumiço do João, aquilo da Vice-Presidência da empresa, o novo emprego, a banda, o prêmio, cirurgia do PP. Tudo aquilo fazia parecer que o tempo corria acelerado, esvaindo rapidamente minhas chances de recompor-me.

Naquela tarde eu estava acabando o discurso de agradecimento pela premiação. No início parecia uma coisa tão distante, mas, de repente, já aconteceria no dia seguinte.

Eu havia acabado de guardar a folha de papel quando a campainha tocou. Através do olho mágico vi o Zé com flores nas mãos.

– Oi, Zé.

– Oi, Isabel. Entregaram para você.

Ele me passou um lindo buquê de rosas brancas e uma caixa brilhante envolvida com um grande laço prateado. Imediatamente abri o envelope que estava entre as flores.

– Esse seu meu pai é mesmo um cavalheiro. Vamos ver o que ele diz...

Parabéns pelo prêmio.

Você realmente merece.

João

Li em voz alta e fui surpreendida ao descobrir o remetente. O Zé percebeu meu incomodo e educadamente pediu licença.

Fechei a porta e andei pelo apartamento sem motivo ainda segurando as flores. A caixa por sua vez escapou de minhas mãos tocando o chão.

Parabéns pelo prêmio. Você merece, merece... João. Parabéns.... João...

As palavras reverberavam em meus pensamentos, me incomodando até que eu explodi.

Gritei com toda a força de meus pulmões, fazendo minha garganta queimar.

Arremessei as flores contra a parede e pétalas se desprenderam e voaram pela sala.

– Eu estou com medo e ele não está aqui. Estou tão cansada. Nós prometemos cuidar um do outro. Ele prometeu e eu estou sozinha.

Meus ombros começam a subir e descer enquanto choro sem controle. Deito no chão e choro. Antes de perder a consciência uma das conversar com Daniela volta a minha mente.

– O João me disse que você está tendo problemas para dormir.

Ele disse?

– Sim, estou.

– Não consegue dormir regularmente? - insiste a psicologa

– Não consigo.

– Em nenhuma circunstância? - ela me provoca

– Não consigo dormir quando estou sozinha.

A luz que invade a sala me acordou. Levantei do chão dolorida mas determinada. Tudo parece um pouco melhor depois que consigo dormir. Olho para a caixa abandonada no piso.

Estou apavorada. Não mereço o prêmio, mas vou lá recebê-lo com medo mesmo. Eu não mereço escolher o repertório da banda, mas vou lá cantar de qualquer maneira. Eu posso e eu vou.

Aproveitando esse repentino surto de ânimo decido abrir o presente. Seu interior revela um lindo vestido cinza. Sem pensar o experimento e é como se ele tivesse sido feito para mim.

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