Deportada para a Coreia

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Ok, talvez eu seja um pouquinho dramática com o título desse primeiro capítulo. Mas nós estamos nos conhecendo agora, preciso que você entenda que, quando meu pai disse que eu teria que ir para Seul morar com os meus tios, avó postiça e prima para absorver a cultura do "meu povo", foi exatamente isso que eu senti.

Sabe nos desenhos animados quando alguém é posto a pontapés para fora de casa e acaba aterrissando do outro lado do globo? Na minha imaginação a coisa toda foi bem assim.

Meu nome é May Yujin e, apesar de ser bisneta de sul-coreanos, as únicas coisas que herdei dos meus parentes orientais foram o sobrenome, a pele incrível e uma puxadinha beeeeem leve nos olhos. Ou seja, aquela mistura que é a principal característica de todo brasileiro.

Os meus bisavós vieram para o Brasil em 1918. Com o início da ocupação Japonesa em 1910, a vida deles ficou muito difícil, então eles resolveram tentar a sorte do outro lado do mundo. Vieram para cá fingindo ser turistas e nunca mais voltaram. Com muito esforço, eles conseguiram manter contato com os familiares, trabalharam muito e juntaram dinheiro para que, assim que fossem considerados cidadãos brasileiros, pudessem visitar os parentes em Seul.

Acontece que as coisas nunca foram muito fáceis daquele lado do globo.

O domínio japonês só acabou em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas, logo em seguida, em 1950, começou a Guerra da Coreia. Quando as coisas por lá já estavam calmas o suficiente para um casal de idosos arriscar uma longa viagem, eles já não estavam mais entre nós.

Acho que é por isso que meus avós, meu pai e meus tios vão à Coreia do Sul sempre que podem. Como uma forma de honrar o desejo dos ancestrais e de nunca esquecerem suas raízes. Eu mesma já fui algumas vezes à Seul quando era criança, mas desde que comecei a juntar dinheiro para conseguir fazer faculdade de cinema em Los Angeles, trabalhando sempre que podia, a Coreia do Sul meio que saiu do meu mapa.

Entre um bico e outro eu mergulhava em livros de gramática em inglês e análises fílmicas. E quando não estava me preparando para meu futuro de cineasta, estava saindo com os meus amigos e estudando para as matérias do meu colégio no Brasil. Sempre achei que meu pai entenderia meus motivos e me apoiaria. Pena que eu só percebi que estava enganada quando já era tarde demais.

Era uma manhã de domingo como outra qualquer. Eu tinha acordado mais cedo para terminar as últimas cenas de um curta e estava devorando o meu café da manhã o mais rápido que era capaz. Precisava correr para o Ibirapuera onde meus amigos me encontrariam para filmarmos os takes finais. Depois eu correria de volta para casa e trabalharia no material até ele estar pronto para ser enviado para o Festival Internacional de Curtas de São Paulo.

— Ai, ai, ai, ai — meu pai suspirou assim que afundei na cadeira ao lado dele.

Virei-me para encará-lo, mas ele baixou os olhos para a própria xícara de café. Servi café para mim e enquanto eu passava manteiga no meu pãozinho francês quando ele suspirou de novo.

— Ai, ai.

Dessa vez os olhos dele se prenderam nos meus por alguns segundos. Foi quando eu vi que aquela chuva de suspiros era o jeito dele demonstrar que precisava me contar alguma coisa.Quando ele abriu a boca para me suspirar pela terceira vez, perdi a paciência.

— Anda logo pai, desembucha! O que você quer me falar?

Mesmo que aquela fosse sua intenção desde o começo, meu pai corou. Isso me ofereceu uma nova perspectiva a respeito da gravidade da situação. Ele só fica assim quando sabe que vamos discordar de alguma coisa. E digamos que nós temos uma pequena tendência a protagonizar brigas épicas toda vez que isso acontece.

Conexão Seul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora