Não adianta, tem que beber

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Enquanto avançávamos pelo, às vezes, lento, sempre louco, trânsito de Seul, deixei os fantasmas do passado me alcançarem. Os rostos, os nomes, as aventuras, os sentimentos... Estar ali facilitava muito as coisas para a minha nostalgia porque a todo momento o novo e o velho se misturavam para criar algo único nas ruas da capital sul-coreana.

Em um segundo, estávamos na principal avenida de Seogyo-dong, cheia de prédios residenciais brilhantes, megalojas e empresas multinacionais. Muito parecido com o que eu via quase todo dia andando pela Avenida Paulista (com a diferença de que tudo estava escrito em coreano, claro). Então entramos em uma ruela estreita e sem calçadas que dava em uma área residencial, com aquelas casinhas de muro baixo, portões pretos e telhados azuis de formato inclinado com as pontas levemente erguidas.

Do jeitinho que eu me lembrava.

Meus tios ainda moravam na mesma casa, mas havia uma mudança. Agora, um portão ligava a casa deles à dos Gong.

Aquilo era uma novidade inesperada.

Percebendo que eu estava quieta demais, minha prima seguiu meu olhar e encontrou o que tinha me deixado confusa.

— Meu pai mandou construir depois que a mãe dos meninos morreu, para que eles não ficassem sozinhos.

Quando a mãe dos Gong morreu, em 2010, eu fiz de tudo para conseguir pular dentro do primeiro avião para cá. Eu queria muito estar aqui para dar um abraço e confortar os meus amigos. Aquela foi a primeira vez que me arrependi de ter depositado todo o dinheiro que eu tinha em uma conta a qual só teria acesso quando fizesse 18 anos de idade.Mas acho que, mesmo que eu tivesse o dinheiro para as passagens de ida e volta, meus pais não permitiriam que eu viajasse sozinha para Seul, aos 11 anos de idade.

Então fiz a única coisa que estava ao meu alcance. Mandei uma caixa com cartas e coisas que eu pensei que poderiam animar Dong-Wook e Dong-Yul. Minha mãe e meu pai me ajudaram a escolher os presentes e as palavras que seriam apropriadas para o momento, mas o que eu mais tinha gostado de compartilhar com eles tinha sido o pequeno tigre de pelúcia que ganhei da mãe meninos assim que nasci.

Aquele animalzinho representava muito mais que apenas o meu signo no horóscopo chinês. Era uma prova de todo o carinho que ela tinha pelas pessoas ao seu redor e como estava sempre cuidando para que todos se sentissem amados. Ela tinha um sorriso gigante que fazia você se sentir em casa onde quer que estivesse.

O bichinho de pelúcia era um presente para os mais velhos, mas também era uma pequena lembrança para Kyang Joon, o bebê que tinha chegado para aliviar um pouco a dor da perda dos irmãos.

— Achei que o pai deles fosse voltar para cuidar dos meninos.

Minha prima nem se deu ao trabalho de me responder, apenas sorriu e deu de ombros como quem diz: fazer o quê? É a vida.

Gong Yoon Jae, o pai da família Gong, é um comandante muito respeitado no exército da Coreia do Sul. Quase nunca estava em casa por causa de missões e treinamentos sobre os quais ele era sempre muito discreto. Mas eu pensei que, depois de a mulher ter falecido dando a luz ao terceiro filho do casal, ele voltaria para cuidar dos meninos.

Dong-Yul devia ter uns 16 anos quando a mãe morreu. E, conhecendo ele do jeito que eu conhecia, podia apostar toda a minha coleção de filmes que ele tinha assumido o lugar do pai como chefe de família Gong.

— Hey! — ela disse, encostando o indicador na ruga de preocupação que tinha se formado na minha testa. — Eles estão bem. Dong-Yul consegue fazer tudo funcionar. E meu pai e a minha avó acolheram os três como se fossem nossa família. — Quando disse isso, ela dividiu comigo um sorrisinho, como se estivéssemos compartilhando um segredo. — Em breve, você poderá ver como eles estão com seus próprios olhos. Não se preocupe May.

Conexão Seul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora