Pelados em Seul

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Quando abri os olhos e me deparei com vários coreanos sorridentes colados nas paredes, me encarando no escuro, meu coração parou por um segundo. Minha cabeça deu um nó e meus pensamentos se debateram dentro de mim.

Onde eu estou? Que horas são? O que eu tô fazendo aqui? Por que meus olhos doem como se tivessem sido arranhados por um gato?

Como já era de se esperar, a dor foi a âncora que me puxou de volta para a realidade. Eu estava na Coreia do Sul, ainda eram seis da manhã e as minhas definições de pagar mico tinham sido atualizadas como sucesso na noite anterior.

— Ótimo!

Bufei baixinho para acordar a minha prima, mas não adiantou. Tive que me remexer um pouco e chutar as cobertas para escutar ela pulando da cama do meu lado.

— Você já acordou! — Seo-Jin parecia renovada, com uma pele maravilhosa e um sorriso radiante no rosto. Eu me sentia uma das irmãs malvadas da Cinderela. — Como estão seus olhos?

— Um pouco irritados — assim como eu, pensei. — Mas acho que vão melhorar depois que eu pingar um pouco de colírio.

— Fica aqui se arrumando, eu vou descer para pegar um pouco de comida. Você deve estar morta de fome.

Eu ainda não tinha parado para pensar, mas com todo o episódio do jantar, eu tinha ido dormir sem comer nada. Sem esperanças de ser alimentado novamente ainda nesta vida, meu estômago parecia ter se conformado em digerir seu próprio interior. Apenas isso justificava a dor que senti no segundo que escutei as palavras "comida" e "fome".

Me arrumei sem pressa. Tomei um banho, lavei meu olhos mais uma vez e, fiquei aliviada ao constatar que, assim que coloquei o colírio, fiquei novinha em folha. Passei um pente meio sem jeito nos cabelos e fiz uma maquiagem simples, mas boa o suficiente para esconder as minhas olheiras e o inchaço dos olhos.

— Trouxe só os seus favoritos!

Na bandeja ela trazia uma tigela com kimchi, um pouco de sopa, arroz e um uma xícara de chá. Sorri ao me deparar com o "leve" café da manhã preparado para mim, tão diferente do pãozinho com requeijão que eu comia em casa todos os dias e infinitamente mais gostoso. Acredite em mim!

— Depois que você foi dormir, meu pai e eu conversamos e...

Achamos melhor mandar você de volta para o Brasil, meu cérebro completou. O que me surpreendeu nisso tudo nem foi a velocidade com a qual aceitei que estava sendo deportada de volta para casa, mas em como essa ideia me fez sentir. A ideia de partir tão cedo me deixava triste. Eu queria revisitar meus lugares favoritos, descobrir aqueles proibidos para os olhinhos curiosos de crianças e, acima de tudo, queria rever meus amigos.

— Tudo bem, vou arrumar a minha mala.

— Por quê? Você só vai precisar de uma bolsa para ir no Jjimjilbang— ela disse.

Jjimjilbang ...Jjimjilbang ... A palavra não me era estranha, mas também não me era 100% familiar. Fechei os olhos com força, como se o ato fosse deflagrar uma enxurrada de memórias miraculosa, mas não vinha nada.

Abri os olhos me sentindo frustrada e um pouco burra por, logo de cara, não me lembrar de algo importante. Enquanto eu me sentia a pior descendente de coreanos do mundo, Seo-Jin parecia à beira de um ataque de risos do meu lado.

— Você não lembra, né?

O sorriso meio de lado e o modo como os olhos dela se estreitaram até se transformarem em fendas minúsculas me disse que talvez fosse melhor eu continuar sem me lembrar.

Conexão Seul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora