33. Misses

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Os meus pés pisam o chão do hospital freneticamente, não consigo parar quieto quando a minha mãe está a lutar por si numa sala de operações, com intenso cheiro a álcool, com médicos e enfermeiros atarefados naquilo que lhes compete e onde o seu corpo é manipulado constantemente pelos mesmos para encontrarem respostas aos estímulos que estes lhe provocam. Nunca transmiti ao doutor que sempre acompanhou a minha mãe neste processo, às minhas irmãs ou até mesmo à rapariga que tem estado comigo quase todos os dias tanto a nível pessoal como profissional, que tenho medo da pouca percentagem de probabilidade que a operação vá correr mal.

A sala de espera está cheia nomeadamente pela faixa etária mais velha. Tenho pena que nesta fase das suas vidas passem muito mais tempo no hospital do que propriamente a aproveitar os últimos momentos da vida. Falham passeios, momentos eternos com a família, com os filhos, com os netos ou bisnetos. Se fosse eu, imagino-me junto daqueles que mais gosto ou a realizar os meus últimos sonhos. O tempo não permite que brinquemos com ele, devemos fazer e agir sobre tudo como se fosse o último momento das nossas vidas. Ignoramos tudo, principalmente as mais pequenas coisas quando essas são, muitas vezes, as mais complexas e importantes.

- Desculpe. – Interrompo o percurso de uma das enfermeiras atarefadas. – Já se sabe alguma coisa de Patricia Malik?

- Não tem mal. A operação ainda está a decorrer, como tal não conseguimos dar prognósticos. – Pude ler na sua bata que se chamava Beatrice. A mulher é baixa, com cabelo encarnado e não é muito gorduchinha como já é hábito em quase todas as enfermeiras que conheço e que me acompanharam nesta jornada. Assinto e olho para o meu relógio.

Passou apenas uma hora e vinte e três minutos desde que vi a minha mãe entrar na sala de recobro. Foi uma sensação estranha vê-la passar, mais uma vez, acamada e acompanhada por um tubo de soro. Quero acreditar que a minha mãe é capaz de sair desta sem represálias mas tal como ela mo disse da última vez, sente-se fatigada, sem forças. Acredito que o seu psicológico não esteja nas melhores situações, uma vez que tem passado os últimos meses presa entre quatro paredes. Agora que acordou, só queria puder ver os seus filhos saudáveis e eu não pude dar-lhe isso. Sinto-me culpado por saber que posso ser responsável por mais uma das suas recaídas quando souber da reposição da verdade.

- Com licença. – Uma senhora interrompe-me os pensamentos. Esta por sua vez também é baixa, o que me faz querer encará-la. Quando tal gesto acontece, olho de relance para o tamanho da sua barriga saliente. A jovem mulher, cabelo loiro pintado e com raízes castanhas salientes devia ter a minha idade e já tinha a responsabilidade de criar um filho dentro de si.

- Quer ajuda? – Expresso-me rapidamente. A rapariga nada diz, apenas assente e agradece-me pela disponibilidade. Carrego a sua mochila até ao local onde se quer sentar e faço-lhe companhia durante os minutos que espera até o seu nome ser chamado. Pude saber que vai ter um menino com o nome de Frederic e está grávida há seis meses. Ela parecia tal como eu, magoada com a sua vida, portanto não puxei grande assunto, uma vez que também não me apetecia falar.

- Obrigada pela ajuda. – Theresa, o seu nome, agradece-me uma última vez e esquiva-se do meu campo visual.

Volto a focar-me na preocupação constante relativamente à minha mãe. Só quero puder respirar fundo por saber que ela vai continuar ao meu lado. Mais quarenta e cinco minutos, aproximadamente, se passaram e a única coisa que modificou ou mais propriamente o que aconteceu foi uma chamada de Serena a perguntar-me se já sabia de alguma coisa. Triste e desiludido disse-lhe que não e que já não estava a aguentar toda esta pressão. Tal como eu, as minhas irmãs devem estar a remoer-se por dentro para ter notícias minhas.

Tenho vindo a pensar se realmente isto é a vida a pôr-me à prova. Julgo-me diariamente por ser fraco, calculista, demasiado opaco nos assuntos que dizem respeito aos outros, até mesmo às pessoas que gostam de mim. Pensando mais em mim, conseguirei atingir os meus objetivos ou pelo menos reconhecer o meu "eu" verdadeiro, aquele rapaz puro e adolescente, que não dava cabo da cabeça à mãe e muito menos maltratava pessoas, mesmo que essas se tratassem do meu pai. O imundo é um novo obstáculo que a vida me deu, em que me pôs à prova uma vez mais. Já não tenho forças para mais nada, apesar de me sentir confiante de que irei conseguir proteger a minha família das investidas do homem por mim desconhecido. Eu e Whaliyha fomos os únicos a conhecer pouco dele mas ao contrário de mim, Whaliyha se tivesse oportunidade falaria com ele para tentar perceber o porquê de nos ter abandonado numa altura tão complicada. Já Safaa, sendo que o seu maior sonho é saber quem é o pai, iria aceitá-lo independentemente de todas as asneiras que possa ter feito. Ela é pequenina, não percebe o quão grave foi o abandono à sua família. Mudámos a vida toda só por causa do imundo.

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