[Melanie’s Book]
A minha vida passou do paraíso ao inferno em menos de nada. Num momento estava nos braços dele, a sentir-me a pessoa mais feliz do mundo, sem problemas, sem pessoas horrendas que me pudessem ferir, e no outro estava dentro de uma habitação abandonada, cheia de frio e faminta. Quando dei por mim, estava enfiada numa cela à espera do meu julgamento e depois de saber que vou ter de voltar para o sítio de que mais tenho medo neste mundo, ele surge na minha frente. Olhando-me cautelosamente e com pena, receio, medo escritos por detrás dos seus lindos olhos.
Haviam perdido aquele brilho tão caraterístico e os círculos negros que marcavam os seus olhos revelavam as suas noites mal dormidas. Sabia que ele estava fraco e cansado, a culpa disso era minha e corroía-me imensamente só de chegar a essa conclusão.
Saudades? Tinha imensas, queria tanto poder fugir e correr para ele de novo. No momento em que entrou naquela sala só tive vontade de saltar para os seus braços, ajoelhar-me diante dele e pedir-lhe perdão por todo o mal que lhe fiz. Mas não havia coragem para isso e talvez eu seja uma cobarde mesmo.
Contar-lhe a minha história foi como se me estivessem a sugar parte do peso que trazia aos meus ombros, mas ao mesmo tempo fazia-me viajar para os anos mais complicados que passei e faziam-me tremer com o medo e a repulsa que se acumulava em mim.
“Como? Como é que eles descobriram a aldeia? Era impossível!” Anita gritou deambulando de um lado para o outro. Sentei-me no pequeno sofá daquela casa velha e moribunda olhando os ossos salientes na minha pele. Pedro fechou a porta e a senhora de cabelos brancos que nos havia acolhido sorriu-nos docemente. “Alguém deve tê-los informado, nós tivemos sempre todo o cuidado do mundo nas saídas e entradas, tudo!” A loura continuada a gritar sem parar de andar para lá e para cá.
“Achas que alguém nos possa ter denunciado?” Pedro questionou de olhar incerto e passando uma mão na outra. Conhecia-o tão bem que não era preciso ele falar para eu saber que ele estava com medo.
“Claro que alguém nos denunciou.” A outra rapariga rugiu passando as mãos pelos cabelos da cor do ouro, exasperada.
“Quem?” O rapaz sentou-se do meu lado e entrelaçou os seus dedos nos meus. Sorri-lhe docemente, ainda me custava a acreditar que estávamos juntos. Ele fez algumas carícias e sussurrou-me que tudo ia ficar bem, para me acalmar.
“Não sei, mas agora não podemos fazer nada. Temos de atravessar a fronteira e chegar a Inglaterra.”
Devíamos ter passado a fronteira todos juntos. Devíamos ter apanhado aquele barco de pesca, os três juntos. Mas nada disso aconteceu e agora, olhando para as paredes da sala onde me fecharam, com os joelhos encolhidos sobre uma cadeira que ameaça ceder a qualquer instante, as memórias da minha viagem arranham o meu coração que se despedaçou com as perdas que tive.
Era tão inocente e ingénua naquela altura.
A porta da sala abriu-se e os guardas deixaram-se entrar seguidos de outro alguém. O homem retirou os óculos escuros e informou-me de tudo o que me iria acontecer.
“Vai ser acompanhada vinte e quatro horas por dia, nos próximos dois dias.” Começou com um sotaque australiano que captei de imediato. A sua voz era grave e dei por mim a apreciar a sua serenidade. “O seu voo de regresso a Portugal está marcado para as 10h a.m. Vem alguém do seu país buscá-la.” Terminou profissionalmente enquanto me entregava os documentos que iria precisar para a viagem.
“Porque é que não posso ir para casa?” Questionei sentindo a pulsação latejar-me na garganta. A vontade de voltar para os braços fortes do homem que amo estava a matar-me por dentro, queria correr dali para fora e ir ter com ele, sem ter de dar explicações a ninguém, sem ter mais ninguém atrás de mim.
Mas eu não podia, por muito que quisesse o fogo que o mundo criou para nos separar cresce e flameja a cada dia que passa. Não podia arriscar que Liam sofresse mais por minha causa, não podia arriscar mais a sua felicidade por um simples sentimento egoísta que eu tenho. O amor é egoísta, faz-nos egoístas. Não só para os outros, mas para nós próprios. Esquecemo-nos de todas as consequências que os nossos atos amorosos podem ter. Queremos aquela pessoa só para nós, não importa a que custo. Mesmo com o nosso sofrimento queremos tê-la connosco. E eu não posso deixar que ele sofra, mesmo que isso me faça sofrer a mim.
“Para fugir de novo? Nem pensar.” O homem com o seu fato e gravata tornou a colocar os óculos de sol e um sorriso presunçoso surgiu nos seus lábios gretados. “Tenha um bom dia.” E saiu, deixando que os seguranças batessem com a porta à sua saída.
Proibi-me de chorar. Enfrentar a minha morte iminente não era o que me custava. Lidei com ela por vários anos e todos os dias tinha a noção que ela poderia chegar a qualquer momento. Não que não tivesse medo de morrer, mas esse medo parecia provir do sentimento que tenho por outro ser. Tenho medo pois nunca mais voltarei a vê-lo. Nunca mais poderei ver o seu sorriso, o seu olhar caloroso e doce pousado em mim, estudando-me como se tentasse guardar todos os meus pormenores na sua memória. Se ele soubesse que eu faço exatamente o mesmo com ele…
Os dias passaram e tive algumas visitas. O tribunal aceitava que eu recebesse pessoas pois Christopher convencera-os que eu tinha o direito de me despedir. Annie, Harry, Andy… todos menos quem eu mais queria. Na verdade até me senti um pouco aliviada pois se calhar a nossa despedida ia ser demasiado dolorosa e eu não me podia dar ao luxo de mostrar fraqueza neste momento. Mas ao mesmo tempo, ver alguém bater naquela porta e sentir o coração disparar à espera que ele entrasse com o seu sorriso dizendo que tudo ia ficar bem, e depois ver que era outra pessoa apenas, era pior do que cair do abismo. Era perder esperança aos poucos e dolorosamente.
“Vamos embora.” O mesmo homem de há dois dias atrás disse quando o guarda terminou de me colocar as algemas. Ergui-me, ouvindo o tilintar das correntes suprimir a minha audição por momentos e segui atrás dele para fora da sala.
A minha visão foi inundada por flashes das máquinas dos jornalistas, as perguntas escorriam das suas bocas imundas e eu não conseguia interpretar uma palavra no meio delas. Eram irritantes, como abutres de nariz pontiagudo e penas negras como as suas almas, atrás do seu alimento nojento.
Fui obrigada a entrar numa carrinha platinada e tive vontade de rir com tamanha segurança que haviam criado só para mim. Não sei se com medo que eu fugisse, ou com medo que alguém me tentasse matar por ainda acreditar que eu era culpada pelos crimes do meu irmão. Em certa parte, eu própria me sinto culpada por me ter deixado cegar pelas muralhas daquela maldita cidade. Eu era culpada por não ter visto o sofrimento que aquele homem que se diz sangue do meu sangue ter criado ao meu próprio povo. E em vez de ter ficado para o deter, fugi quando pude.
Saí da carrinha e reparei no cortejo todo que seguia ao nosso redor. As populações continuavam a acumular-se onde quer que eu passasse e os protestos contra a minha vida eram mais percetíveis agora. É impossível descrever como me senti em relação a eles. Não posso dizer que estava surpreendida, ou que me estavam a destruir pois eu já estava destruída por dentro. A única coisa que podia sentir sobre as suas opiniões era compreensão, pois eu pensava o mesmo de mim própria.
O aeroporto estava totalmente militarizado e depois de fazerem o check in por mim, fui enviada para uma sala, à espera da hora do voo. Indicaram-me que alguém do meu país me viria buscar mas as inúmeras possibilidades sobre quem poderia ser criavam paletes enormes na minha cabeça. Mas as minhas perguntas e suposições foram travadas quando alcancei os seus olhos claros. Os cabelos chocolate haviam sido substituídos por um loiro tingido e eu desejei nunca me ter cruzado com ele antes.
“Pedro.” Sibilei de voz perdida e sem saber o que mais dizer.
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[Estou farta desta fic, sinceramente e pelos vistos ela deve ter perdido qualidade pois os comentários realmente desceram imenso, tal como as reads e os votos. Mas enfim, já está mesmo no fim. No máximo 3 capitulos e acabou (:
Não sei se posto uma nova, ou se me dedico à Before You. ainda vou pensar nisso.
COMENTEM E VOTEM PLS
xx]
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The Runaway |l.p|
Fanfiction"O meu país não é longe, não é do Oriente, nem pobre. É bonito e as pessoas sorriam. Fazia sol e as pessoas dançavam alegres. No entanto isso acabou. As muralhas de ferro e arame ergueram-se em redor das nossas fronteiras. Fechou-se ao Mundo. Erguer...