Capítulo 1

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Estela


Na adolescência, eu costumava idealizar um futuro que, para mim, seria perfeito. A ideia era imaginar como seriam os meus primeiros trinta anos. Então, só depois dessa idade pensaria no restante da minha vida.

De acordo com as anotações douradas numa folha de papel almaço; aos os vinte e dois, eu me formaria em jornalismo. Aos vinte e cinco, teria a minha casa. Aos vinte e oito; casaria. Aos trinta; seria mãe — queria logo um casal de gêmeos, mas me conformaria caso isso não acontecesse. Se meu marido não fosse influente e famoso, eu seria. Brincadeira... Tirando a parte da fama, nem ligaria. Contanto que conseguíssemos pagar nossas contas no final do mês.

No ensino médio, não fui a melhor aluna, também não cheguei a ser a pior. Digamos que sempre estive meio lá, meio cá. Confesso ter aprontado muito. Por outro lado, eu me dedicava e parte dos professores reconheciam meu esforço. Diziam que, apesar dos meus deslizes, eu era visionária, focada, alguém que tinha tudo para vencer na vida. Naquela época, podia até ser que fosse verdade, mas, com o passar do tempo, a realidade universitária atropelou os meus planos.

Sim, escolhi o curso errado, e só percebi quando me restava um ano para erguer o diploma. Às vezes, penso que deveria ter concluído a primeira faculdade, porém prosseguir seria enganar a mim mesma. Foi difícil comparecer na formatura das minhas amigas e notá-las tão otimistas em relação às suas futuras profissões.

O que mais posso falar sobre mim? Bom... Quase morri afogada enquanto atravessava o Rio Itapecuru, faltei duas semanas na escola por não ter um par de tênis que condiziam com as normas da instituição; raspei o cabelo porque estava entediada e caí na porrada com a prima da minha melhor amiga. Motivo? Um pôster raro do N'Sync — pelo menos a gente achava que era.

Não sou um exemplo a ser seguido, mas raramente me lamento pelas coisas que fiz — tirando aquela vez em que invadi a... É, a gente vai chegar nessa parte. O importante é que hoje me considero uma pessoa feliz.

Antes de chegar na crise dos vinte, eu tinha esperança de encontrar o amor da minha vida. Vivia comprando revistas de astrologia, colocava o meu pequeno Santo Antônio de castigo e até ligava para aqueles números de "disk namoro" que, de vez em quando, era divulgado em comerciais de tv.

Por várias vezes imaginei aquela cena clássica de esbarrar com a minha alma gêmea numa rua qualquer e a partir disso nos apaixonarmos. Esperei que nos encontrássemos lendo um livro em comum e isso fosse motivo o suficiente para conversarmos pela primeira vez. Acreditei que o reconheceria quando me cedesse espaço abaixo do seu guarda-chuva durante uma tempestade. Mas como não vivo dentro de um filme Hollywoodiano, nada assim aconteceu.

Para falar a verdade, não cheguei a esbarrar em ninguém. Então, as únicas coisas que caíram foram as minhas expectativas. Caíram não; despencaram. E eu não pude fazer nada a não ser observá-las, pois quando achei que surgiria alguém para conversar comigo sobre um determinado livro, veio o funcionário da biblioteca me informar que ela fecharia em cinco minutos.

Agora que sabe um pouco sobre mim, vamos ao que interessa. Tudo começou em março de dois mil e oito, não tenho dúvida. Havia recebido outro aviso de corte da luz. É estranho falar sobre o assunto, porque, na maioria das vezes, eu estava com o dinheiro em mãos. Entretanto, o meu tempo era escasso e odiava pedir esse tipo de favor a alguém. Gosto de me virar sozinha, sempre foi assim.

Por volta das onze da manhã, dei duas voltas na avenida Hugo Costa à procura de um lugar para deixar a moto, mas não encontrei uma vaga sequer. Diante disso, vi três veículos estacionados em local proibido. Então, ao virar o rosto para os lados e constatar que ninguém me olhava, não pensei duas vezes. Retirei o capacete e o guardei no bagageiro. Em seguida, afastei o guidão da bicicleta amarela que atrapalhava o caminho e estacionei próximo ao grupinho infrator. Eu só iria pagar um boleto na agência lotérica. O que de mal poderia acontecer comigo no intervalo entre cinco a dez minutos?

Entre Bodes e Flores Onde histórias criam vida. Descubra agora