Capítulo 32

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Gael

Ao telefone, nós continuamos a conversar sobre o Leonardo. Estela me contou como se sentiu vulnerável em relação à partida dele. Enquanto falava, vez ou outra, ela me perguntava se eu tinha tempo para ouvi-la, e se a compreendia. Diante disso, percebi que o melhor a se fazer era termos uma conversa cara a cara. Sair de casa poderia lhe fazer bem.

O problema foi que me enrolei todo para dizer isso a ela. E quando consegui argumentar, sugeri que fôssemos à festa na "União Artística". Até então, eu nunca tinha ido a qualquer evento no local mencionado, mas sabia que ele havia sido reinaugurado e que toda semana homenageavam um determinado gênero musical.

De início, Estela se mostrou indiferente à minha sugestão. E eu não podia julgá-la por tal comportamento, já que cada um tem um modo diferente de lidar com suas preocupações diárias. No entanto, durante a nossa conversa, ela acatou a minha ideia — e acredito que isso tenha acontecido por nenhum de nós dois termos apresentado outras opções, melhores ou piores.

Sendo sincero, às vezes eu me sentia perdido diante do que Estela me dizia. Nem sempre eu era capaz de diferenciar o real sentido de suas palavras. E, não, isso não tem nada a ver com a Tourette. Tinha relação apenas com o modo como eu a interpretava, ou pelo menos tentava.

— Tem tudo para ser desastroso, adorei! — disse ela. — Estarei te esperando às dez.

Assim que Estela terminou de falar, pensei: ela tá de brincadeira comigo, só pode. Mas e se ela não tiver brincando? Não, ela tá brincando, sim, Gael, tá louco? Isso foi uma sequência de ironia... Ah, que se dane! Não custa nada perguntar se tá falando sério ou não.

Em meio às minhas paranoias, perguntei à Estela se falava sério sobre a festa ou se aquilo não passava de ironia. Ela, por sua vez, pareceu ofendida com a minha pergunta e respondeu-me que aquela tinha sido uma de suas conversas mais sérias durante as últimas vinte e quatro horas.

Já que ela falava com seriedade, resolvi fazer o mesmo. Perguntei-lhe a hora e, quando a resposta me foi concedida, ajustei o meu relógio ao dela. Assim, não haveria motivos para atrasos.

— Combinado, então — falei. — Às 9h59min estarei buzinando na porta da tua casa, pode esperar!

— Tá falando sério?

— Por quê? Eu não deveria?

— Não sei. Pelo que conheço de ti, tu sempre anda meio atrasado.

— É, não posso contestar a tua afirmação, mas dessa vez vai ser diferente.

Após a ligação de Estela, tomei banho, assisti tv e esperei o jantar ficar pronto. Horas depois, enquanto terminava de me arrumar, ouvi um estrondo e, ao correr para a cozinha, deparei-me com a porta no chão. Não era a primeira vez que aquilo acontecia, mas, meses antes, eu a tinha consertado, e achei que fosse algo definitivo.

Diante do ocorrido, fiquei sem saber o que fazer. Eu não podia deixar a situação da forma como estava, até porque eu tinha um bode de estimação, e não um cão-de-guarda. Se, naquela época, a segurança da minha casa dependesse do Godofredo era capaz de levarem tudo o que tinha nela, inclusive ele.

Ao retirar a camisa para não correr o risco de sujá-la, pensei em ligar para a Estela e informá-la que me atrasaria. Entretanto, em vez de pegar as ferramentas para tentar arrumar a lateral da porta, optei por uma ação temporária. Fui ao quintal, peguei um pedaço grosso de madeira e firmei-o contra o centro da porta, deixando um lado dele encostado no chão.

Quando me lembrei de olhar para o relógio, vi que faltavam quinze minutos para as nove e cinquenta e nove. Então, vesti a camisa de novo, passei perfume e saí de casa. Admito que o receio de não cumprir com a minha palavra me fez acelerar o veículo.

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