Estela
Nunca fui de reclamar sobre dores de cabeça, mas ao chegar em Caxias, assim que saí da van e entrei no táxi, tive a sensação de carregar uma bagagem extra. Era como se diante de cada curva ou quebra-molas parte de mim quisesse saltar pela janela.
Na mão, eu trazia uma garrafinha de água mineral, que comprei durante a viagem. Enquanto olhava pela embalagem transparente, sentia-me chacoalhada da mesma forma que acontecia com o líquido.
De repente, Leonardo, que estava acomodado no banco traseiro, tocou no meu ombro e disse:
— Ei, a gente vai buscar o Sancho e o Quixote agora ou só depois?
Permanecendo na mesma posição, respondi baixinho:
— Se tu quiser, pode ser agora; já que vamos passar quase em frente à casa do Gael.
— Engraçado... Só passei um dia longe, e já tô morrendo de saudade. Espero que eles não tenham dado tanto trabalho pro professor.
— Léo, por favor — comentei, virando-me e olhando para trás —, dá pra falar um tiquinho mais baixo? É sério, minha cabeça tá pra explodir!
— Minha gente, como assim? Eu tô quase sussurrando.
Dito isso, ele mexeu num dos bolsos de sua mochila e, depois de algum tempo, estendeu-me a mão.
— Pega — falou, entregando-me uma cartela que continha dois comprimidos —, pode tomar. Eu sei bem como tu deve tá se sentindo. É por isso que nunca saio sem eles.
Ao agradecê-lo, pus o remédio na boca e bebi o restante da água. Em seguida, devolvi-lhe o outro comprimido.
Quando chegamos em frente à casa do Gael, Leonardo desceu do carro para buscar a gaiola. Quanto a mim, avise-lhe para não demorar a voltar. Então, ele retornou depois de uns três minutos. Daquela vez, Gael o acompanhou até a porta e sorriu para mim. E eu não deixei de retribuir o gesto — mesmo incomodada com as dores.
Ao entrar novamente no veículo, Leonardo comentou:
— Estela, mermã, tu nem vai acreditar no que....
Virando-me para ele, gesticulei para que abaixasse a voz:
— Se o que tu me contar for capaz de expulsar a dor que tô sentindo, acredito até que a terra é quadrada.
— Sabe aquele bingo beneficente que tu comprou lá na pizzaria? Pois tu acredita que quem ganhou o carro foi o Gael?
— Sério?!
— Aham, e ele me disse que nem conseguiu dormir direito, coitado. Sem mentira nenhuma, aqui assim perto dos olhos dele — apontou o local no próprio rosto —, tá bem escuro. Tipo, ele tá parecendo um panda...
— Bom, vi ele encostado lá na porta, mas não prestei muita atenção na cara dele, não! Que bom que ganhou, né? Fico feliz; se isso aconteceu é porque ele deve precisar bastante.
Por mais que não tenha parecido, fiquei contente pelo Gael ter sido premiado. No entanto, não tinha como eu sair pulando de alegria. Sabia que ele andava numa bicicleta, e acredito que, até então, esse era o seu único meio de transporte.
Se antes os meus problemas com dores de cabeça eram raros, a partir daquele dia se tornaram frequentes. Acontecia de repente, a qualquer hora do dia, e além disso comprometer a minha qualidade de vida, também interferiu no meu rendimento em relação ao trabalho.
Apesar de ter enrolado por alguns dias, devido à insistência das dores tive de me consultar. Primeiro, fui ao clínico geral, que averiguou as minhas queixas de forma tão detalhada a ponto de me deixar receosa — logo me convenci de que, devido à demora do diagnóstico, só me restava esperar por notícias ruins.
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Entre Bodes e Flores
RomanceNa adolescência, Gael foi diagnosticado com Síndrome de Tourette. Ainda jovem, perdeu a esposa. Então, isolou-se do mundo. Depois de anos afastado da cidade, decidiu recomeçar a vida ao adotar Godofredo, um inusitado animal doméstico. Dona de uma fl...