Capítulo 5

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Estela


Morar sozinha me despertava dois tipos de sensações; liberdade e solidão. Por um lado, eu poderia andar pelada pelos cômodos da casa a todo instante— não que eu fizesse isso. É, de vez em quando, talvez. Também não tinha horário fixo para chegar, muito menos alguém para me cobrar explicações. Então, a parte ruim era justamente a parte boa. De vez em quando, sentia falta de um puxão de orelha, de alguém para se preocupar comigo quando eu me atrasasse ou adoecesse.

Lembro que depois do expediente, numa sexta-feira, liguei para alguns amigos. Eu queria alguém para conversar cara a cara, beber, ou assistir a um filme, mesmo que fosse repetido. Mas todos pareciam ter algo melhor para fazer.

"Hoje não dá", "não tô na cidade", "adoeci", "combinei algo com a minha namorada", "só poderei na semana que vem", essas foram algumas das desculpas usadas. Se eram verdadeiras? Não sei, só sei que entre uma chamada e outra, um número desconhecido me ligou. Recusei na primeira tentativa, mas atendi na posterior, pois imaginei que fosse alguma alma arrependida. Apostei em Isabel. No entanto, surpreendi-me quando uma voz jovial disse:

— Alô? Estela?

Por alguns segundos, um chiado interferiu durante a ligação.

— Oi! Quem tá falando?

Antes de me responder, ouvi uma voz feminina sussurrar: viu, coisa teimosa? Eu disse que aquilo era um seis, não um zero.

— É o Leonardo.

— Leonardo? Que Leonardo?

Ainda que tenha me esforçado, não consegui associar o nome a nenhuma figura que eu conhecesse pessoalmente. Só lembrei do cantor, do ator e do pintor.

— Ué...? Como assim? — pareceu decepcionado. — Não lembra de mim?

— Desculpe, mas... se eu conheço, não tô conseguindo lembrar.

— Certo! Tipo, isso vai ser meio constrangedor, mas... ok. Leonardo, aquele que quebrou o braço quando caiu do pé de goiaba aí no teu quintal. Lembra agora?

Naquele instante, fiquei sem palavras. Como eu poderia cometer uma gafe daquelas? Fazia quatro anos que não o via. Leonardo era filho do meu pai com a segunda esposa. No começo, eu o odiava sem entender o motivo. Mas, ao longo do tempo, minha mãe me convenceu de que o garoto não tinha culpa sobre o passado. Ela me motivou de tal maneira que, antes de eu ter ido estudar em São Luís, trouxe-o para casa algumas vezes. Quando o conheci, notei o quão amoroso ele era. Não tinha como detestar aquele menino criativo, cheio de vida.

— Ôh, perdão, meu amorzinho! — disse eu. — A tua voz tá tão diferente que foi impossível de reconhecer.

— Pois é, acho que são os efeitos da puberdade.

— Mas me diz, menino. Como estão as coisas por aí?

Rápido, peste. Os meus créditos estão acabando, sussurrou a mesma voz de antes.

— Tá tudo bem — gaguejou. — Só liguei mesmo porque senti saudades.

— Tem certeza, Léo? Aconteceu alguma coisa...? Quem tá aí contigo?

— Tenho! — disse com rapidez. — Tô com uma amiga. Daqui a pouco vou para casa, não precisa se preocupar. É... posso passar aí amanhã cedinho? Preciso de uns conselhos e acho que tu pode me ajudar.

Fiquei animada com a atitude dele em me pedir conselhos, porque apesar de tentar ajudar os outros, raramente sigo o que falo.

— Claro que sim, só que trabalho até o meio-dia.

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