Capítulo 16

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Gael

— Por favor, Gael — disse a Dr. Dara, com a voz serena. — Sente-se, respire fundo e tente falar com calma, porque, infelizmente, você falou rápido demais e eu não compreendi metade do que disse.

Obedecendo-a, puxei a cadeira à frente dela para trás, acomodei-me, mas permaneci inquieto. Além dos tiques com a cabeça, as minhas pernas não paravam de tremer.

— Relaxe os ombros, encha os pulmões e solte o ar aos poucos... Está se sentindo melhor?

— Acho que sim.

— Então me fale o que aconteceu...

Com o meu prontuário em mãos, ela virou algumas páginas e acredito que tenha conferido a data da minha última consulta. Não sei se era por causa da quantidade de anos que me atendia em seu consultório ou pela segurança que me repassava. Mas, para mim, era evidente o amor dela pela profissão exercida.

— Esse último antipsicótico não serviu pra muita coisa, não, porque parece que só retrocedi... Não tô dizendo que a culpa é da senhora. Só não tenho aquela mesma paciência de antes em relação a isso. Sei que tenho que ser otimista, e olha que, nos últimos anos, eu tenho me esforçado bastante, mas parece que quanto mais espero por melhoras, piores as coisas ficam.

— Eu sei que é uma situação delicada, Gael, mas se você olhar para trás, vai perceber que progredimos bastante. A primeira vez que te atendi, foi a tua mãe que teve me falar os teus sintomas, lembra disso? Você foi o meu primeiro paciente com Tourette, e hoje tenho outros dois. Mas sabe de uma coisa? São casos completamente distintos. Atendo um menino, um homem e uma mulher de sessenta anos. De vocês três, o caso do menino é o mais acentuado.

— Acentuado a que ponto?

— Bom... os tiques vocais dele são acompanhados por palavrões. E você, mais do que ninguém, deve entender como isso pode ser difícil de lidar. Porque sabemos que esses sons funcionam como um espirro, não dá pra controlar. Imagine como é estar num lugar cheio de gente e de repente ter que gritar uma palavra de baixo calão...

— É, suspeitei que fosse algo assim. Por falar nisso, meses atrás, vi parte de um documentário na internet em que um homem andava xingando pelo shopping. E mesmo quando ficava sozinho, gritava coisas do tipo "vai se foder", "caralho", "puta" etc. Só que em nenhum momento fiquei chocado com as palavras dele, porque tinha um narrador explicando o motivo, falando sobre a Tourette. O que me deixou abismado foram os comentários maldosos que li. Cada um mais horroroso do que o outro.

— É, tem muita gente ignorante no mundo. Na verdade, se fazem de ignorantes, porque hoje em dia o que não falta é informação... Mas então, já sei que o antipsicótico não funcionou. E o antidepressivo? Os sintomas pioraram, amenizaram? Tem conseguido dormir direitinho?

Naquele momento, eu falei que o antidepressivo havia funcionado, e que não pretendia mudá-lo. Porém, com base nos meus relatos sobre os sintomas físicos e mentais, a dose foi alterada.

Depois de mais alguns minutos de conversa, a Dr. Dara prescreveu os medicamentos. Ao me entregar o papel da receita, questionei-a sobre os possíveis efeitos colaterais do novo antipsicótico. Por sua vez, ela citou alguns como ganho de peso, tontura e boca seca. Porém, lembrou-me de que nem todo organismo reage da mesma forma, o que eu já sabia.

No final da consulta, assim que abri a porta para sair, ela disse:

— Gael, não se esqueça que....

— Já sei — interrompi. — "Esse é um trabalho conjunto." Não se preocupe! Eu não abandonei a terapia.

Ao deixar o consultório, fui almoçar e, antes do meio-dia, desloquei-me para o ponto das vans que iam para Caxias. Cerca de uma hora depois, quando cheguei na cidade, fui ao banco sacar dinheiro para poder comprar os medicamentos, que não costumavam ser baratos. Após à retirada de algumas cédulas, segui rumo à farmácia e adquiri o antidepressivo, mas em relação ao antipsicótico, esperei alguns dias para recebê-lo, porque era um produto manipulado.

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