Capítulo 37

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Estela

Durante a primeira noite em que abriguei o cachorro, ele se manteve quieto dentro do caixote. Não latiu, não tocou na comida, tampouco correu de um lado para o outro como fazia quando me via chegar ou sair de casa. Do sofá, vez ou outra, percebia-o erguer a cabeça enquanto olhava pelos arredores. Parecia confuso, perdido.

Na mesma data, assim que o Gael me ligou, contei-lhe sobre o ocorrido. Por um momento, ele brincou com o caso. Parecia tão desacreditado que até me pediu para parar de inventar história.

— Tô falando sério! Os vizinhos se mandaram e abandonaram o cachorro na rua... Por que eu inventaria algo assim?

— É que naquele dia tu falou dele com tanto rancor que, pra mim, fica até difícil de acreditar que ele realmente esteja aí contigo.

Nos instantes seguintes, quando comentei sobre a falta de fome do animal, Gael percebeu que eu falava sério. Ao se desculpar, alterou a entonação da voz — que passou de descontraída para preocupada:

— Tá! Então, se o cachorro não comeu nada até agora é porque deve estar doente. Talvez esteja anêmico ou deprimido, não sei. Tu precisa levar ele a uma clínica veterinária o mais rápido possível. De preferência, amanhã de manhã. Te diria pra ir agora, mas já são quase dez horas. É difícil encontrar alguma aberta por esse horário.

— Como assim, deprimido? Pensei que isso só acontecesse com seres humanos.

— Pois é, pra ti ver como são as coisas; nem os pobres animais tão livres de males como esse. Por falar nisso, espera um só segundo, pode ser? Acho que ainda tenho o contato de uma médica veterinária guardado em algum bolso da carteira. Eu já volto!

Após alguns minutos de espera, Gael retornou e me repassou o contato de uma veterinária chamada Bruna Almeida. Ao verificar o endereço em que ela atendia, constatei que sua clínica veterinária ficava em um bairro próximo ao da minha casa, o que era bom, pois, quanto mais rápido o animal passasse por uma avaliação profissional, mais rápido seria encaminhado a um novo lar — onde provavelmente seria amado e bem cuidado.

Daquela vez, minha conversa com o Gael foi breve. Falamos mais do cachorro do que de nós mesmos. Além disso, ele me avisou que sairia em companhia do irmão naquela noite, mesmo não estando empolgado.

— Queria muito que tu tivesse aqui — disse ele, entre pausas. — Pensando bem, acho que não seria uma boa ideia, não.

— Não? E por quê? Por acaso tem vergonha de mim?

— Não. Tá doida?! Não é nada disso... Os amigos do meu irmão tão aqui por perto, e eles vão com a gente. Eu juro por Deus que tô tentando ser simpático com um deles, mas, cá entre nós, não tá dando pra suportar, não. Não tem nem duas horas que o conheci, e já tô tendo de me controlar pra não surtar.

— Credo! Tenta relevar. Faz isso pelo teu irmão, ou, se tu achar melhor, seja direto e fala pra ele o que tá te incomodando.

— Verei o que faço, terei o resto da noite pra decidir... Ei, eu tô indo, tá? Amanhã vai ser um dia bem corrido, mas prometo te ligar pela manhã nem que seja só pra te mandar um beijo. Se cuida.

Na manhã seguinte, antes de ir ao trabalho, segui a recomendação do Gael de levar o chihuahua à clínica veterinária. Ao me aproximar do animal, notei que ele nem sequer tinha mexido na ração e que um de seus olhos estava remelado.

Sozinha, eu pretendia pegar um mototáxi na esquina da minha rua. No entanto, ao me ver saindo de casa; Vitória, minha vizinha, prontificou-se a me acompanhar em direção à clínica, o que foi de grande ajuda.

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