Capítulo 12

571 70 15
                                    

Gael

Durante a ligação, esperei ouvir o tom grave e autoritário do pai de Sofia. Porém, isso não aconteceu. Pelo contrário, uma voz suave e paciente disse:

— Gael, desculpe por eu ter ligado tão cedo. Eu tento falar contigo desde ontem, homem. Por que diabos que tu não me atende?

Embora não ouvisse aquela voz com frequência, era impossível não a reconhecer. Tratava-se de Letícia, a irmã mais velha de Sofia. Ela tinha um jeito diferente de falar. Parecia que dublava a própria voz. Quem não a conhecia, costumava estranhá-la quando abria a boca. Por falar nisso, anos antes, lembro que o dono de uma rádio a convidou para apresentar um programa matinal, mas o convite foi recusado porque Letícia era a timidez em pessoa — o que mudou ao longo do tempo.

— Não, não tem problema — respondi, bocejando. — É que ontem eu trabalhei feito um condenado, mas hoje levantei cedinho.

— Acordou cedo ou não conseguiu dormir?

Diante da pergunta dela, fiquei alguns segundos em silêncio. Então, andando de um lado para o outro, desconversei ao perguntar:

— Mas e aí, por que ficou me ligando tanto? Aconteceu algo?

— Não, é que... — gaguejou e interrompeu o que dizia. — Na verdade, ainda vai acontecer. Pela noite vai ter uma missa em memória da Sofia. Acredito que tu deveria estar presente. Isso seria muito importante pra mim! — pausou. — E acho que pra ela também.

— E o teu pai vai? — questionei, torcendo por uma negação.

— Claro que vai!

— Então não conte com a minha presença.

— Que horror! Eu passei tanto tempo fora, e quando volto as coisas continuam do mesmo jeito!

— Tu já deve ter esquecido o que aconteceu da última vez em que eu e ele estivemos perto um do outro, não é?

Ao finalizar a frase, as lembranças regressaram. Daquela vez, com uma duração maior. Lembro de chegar na esquina da minha rua e me deparar com uma movimentação incomum pelos arredores de casa. Eu não fazia ideia do que tinha acontecido, mas, ao ser ultrapassado por uma ambulância, corri em desespero e, na medida em que me aproximei, notei que havia outro veículo parado a alguns metros de distância.

A partir daquele momento, senti um aperto no peito e me convenci de que algo terrível havia acontecido com Sofia. Lembro de ouvir muitas vozes, mas, no primeiro momento, não existiam rostos, pelo menos para mim. Havia muitas pessoas, e não faço a mínima ideia de onde elas surgiram.

Quando tentei entrar em casa, alguém me segurou, mas me debati até que me deixassem passar. Eu não queria conselhos ou consolo, precisava descobrir o que estava acontecendo. Pediram para que eu me acalmasse, diziam que eu precisava ser forte. No entanto, o que fiz foi me jogar sobre o corpo de Sofia quando a vi deitada no chão. Pus a mão sobre o peito dela, e descobri que seu coração já não batia mais. Então, atordoado, comecei a gritar com os enfermeiros e o médico que estavam presentes. Implorei por ajuda, segurei-a sobre o colo e pedi para que não a deixassem morrer. Mas, no fundo, eu sabia que era tarde demais.

Naquele momento, se tinha uma pessoa tão abalada quanto eu era a Melissa, a manicure que estava com Sofia assim que saí de casa. Medicada, ficou paralisada numa cadeira por muito tempo. Só conseguiu falar depois de sete horas.

Não faço ideia se o meu ex-sogro estava presente quando cheguei ou se chegou depois de mim. Mas sei que, em algum momento, enquanto eu tentava me isolar de todos, ele se aproximou aos gritos, pôs a mão sobre o meu pescoço e me empurrou contra a parede, fazendo-me bater a cabeça contra o concreto.

Entre Bodes e Flores Onde histórias criam vida. Descubra agora