Capítulo 15

492 60 26
                                    

Estela

Sempre gostei de ser diferente, de questionar o motivo por trás das coisas e de analisar as situações que me cercam. Sei que muitas pessoas me acham metida, e confesso que já me perguntei se pensaria do mesmo modo caso estivesse no lugar delas. O que a maioria não sabe é que a minha maneira de ver o mundo foi moldada a partir de um mecanismo de defesa.

Na minha família, parte das mulheres têm poliose. No nosso caso é hereditário, é algo que resulta no embranquecimento precoce dos cabelos, tornando-os grisalhos. Em relação a mim, tudo começou quando eu ainda era criança. Tinha uns nove ou dez anos quando as mechas alvas surgiram, uma na parte da frente e a outra do lado esquerdo da cabeça.

Naquele tempo, fiquei em choque, porque eu não sabia o que estava acontecendo. Na escola, a situação se complicou, porque as outras crianças começaram a me pedir a benção; chamavam-me de vovó o tempo inteiro e me ridicularizavam pelos corredores. Lembro que durante uma discussão com um amigo, fui chamada de bruxa. O termo se espalhou tão rápido que, de repente, pessoas que eu nem conhecia começaram a caçoar de mim.

Um dia, quando cheguei em casa chorando por conta dos insultos, corri para o quintal e me debrucei sobre o colo da minha mãe. Ali, debaixo do pé de seriguela, ao redor dos cocos babaçus que ela quebrava, tivemos uma conversa da qual nunca me esquecerei:

— Ora, Estelinha! E tu acha que é uma bruxa, menina? — perguntou, acariciando os meus cabelos.

— Não, mãe!

— Então não devia ligar pro que eles falam. Isso é coisa de gente abestada, invejosa, que não tem nada de especial pra mostrar pro mundo. Sabe de uma coisa? — ergueu o meu rosto. — Cabelo branco é sinal de sabedoria. E se os teus já estão assim, é porque tu é uma menina muito sabida que vai parar de ligar pro que os outros dizem.

— Mas eles vão continuar, eu sei que vão!

Diante da minha resistência em entendê-la, ela deu uma pausa nos argumentos. E sem parar de mexer nos meus cabelos, começou a cantar. Era uma canção antiga, com um refrão atípico, repleta de palavras soltas e bonitas de se pronunciar. Às vezes, queria poder voltar no tempo para poder aprender a letra, porque nunca mais a ouvi. Hoje, quando pergunto sobre a música, minha mãe afirma não se lembrar. Porém, sei que havia um trecho falando de uma bela menina que sacudiu o mundo com a voz da alma.

Minutos depois, assim que terminou a canção, ela me pediu para levantar porque ia lá dentro. Então, eu a atendi, mas permaneci no quintal. Em poucos instantes, minha mãe voltou com um espelho em mãos. E eu não fazia a menor ideia do quão valioso aquele objeto poderia ser.

Quando ela o me entregou, eu perguntei o motivo. Era um espelho velho, quadrado, com as bordas alaranjadas e um dos cantos quebrados.

— Olhe bem fixo pro teu reflexo, Estelinha. Tu conhece bem essa garotinha que tá vendo?

— Sim, mãe, porque sou eu!

— E por que tu acha que ela é velha?

— Não me acho velha, quem acha isso é o povo lá do colégio!

— E são eles que estão te encarando agora?

— Não, mãezinha. Sou eu!

— E quem tu acha que é?

— O meu nome é Maria Estela, e eu gosto de português e de artes.

Na manhã seguinte, quando minha mãe me deixou na escola, ela falou com a diretora e relatou o que estava acontecendo. Alguns dias depois, em comemoração à data do Folclore, organizaram uma festa à fantasia. E foi quando escolhi a melhor vestimenta de todas; a de bruxa.

Entre Bodes e Flores Onde histórias criam vida. Descubra agora