Capítulo 3

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Estela

No primeiro trimestre do ano, o movimento na floricultura costumava decair. Contudo, a partir da segunda semana de abril, milagres aconteciam e se estendiam até o final de maio — mês das mães, mês dos casamentos; mês em que o meu coração se derrete ao ver flores penduradas nas portas. Para a minha surpresa, em dois mil e oito, as vendas subiram na metade de março, o que me tranquilizou por um tempo.

Após ter esquecido a chave, retornei para a floricultura. E assim que adentrei, observei alguns clientes sendo atendidos pela Isabel. Mesmo tremendo de fome, cogitei ficar por ali até o fluxo de pessoas diminuir, mas Iago não demorou a chegar.

Assim que me viu, Isabel falou algo, mas passei direto. Dirigi-me para o escritório, abri a gaveta do armário, peguei a chave e me retirei. Saí da mesma forma que entrei; sem dizer nada, sem cumprimentar ninguém.

Enquanto voltava, notei que o tráfego havia reduzido. Ao chegar em casa, joguei minha bolsa sobre a bagunça da mesa, peguei a toalha e fui para o banho. Após sair do banheiro, olhei para o relógio de parede e verifiquei que era quase uma hora. Por conta disso, apressei-me.

Na geladeira, peguei a comida da noite anterior e a esquentei. Durante o almoço, sentei no sofá e liguei a tv — mesmo sem a mínima vontade de assistir. Minutos depois, fui para o quarto descansar, ou pelo menos tentar; pois, na época, o meu vizinho tinha um chihuahua que passava o tempo todo latindo, principalmente pela madrugada.

Por volta de duas e meia, voltei para a floricultura e observei que Iago havia acabado de reabri-la. O normal seria às duas em ponto, mas foi inviável por conta da movimentação matinal.

Assim que pensei em perguntar para ele sobre o paradeiro de Isabel, ela chegou. Ao adentrar, disse:

— Estela, Estela, Estela...! Adivinha quem eu vi na praça Gonçalves Dias?

Pelo desespero dela, eu já sabia do que se tratava.

— Não! Tu não... Bel — pausei e, abaixando a voz, juntei as mãos —, pelo amor de Deus, me diz que não falou com ele.

Abocanhando o bombom que segurava, ela respondeu de boca cheia:

— Não falei, calma! Mas... e se ele tiver falado comigo?

— Eu juro que ainda te demito! — pus o indicador no canto da minha boca, sinalizando que a dela estava suja de chocolate. — Ele disse que vinha aqui?

— E tu acha que não? É claro que vem! Mas já sabe o que fazer, né? Manda a real nele! Fala tudo o que tá engasgado aí... Ah! Chuta aquele antipático de uma vez.

— Eu juro que ainda te demito! — enfatizei.

— É do Yuri que estão falando? — perguntou Iago, posicionando-se na porta de entrada, de costas para nós. — Porque se for, lá vem ele atravessando a r...

Antes de Iago completar a frase, corri para o banheiro, tranquei a porta e sussurrei:

— Se ele perguntar, diz que eu não vim hoje. Inventem que viajei a trabalho e que só volto na semana que vem.

Yuri era um cara insistente que se apaixonava com facilidade. A primeira vez em que eu o encontrei foi no aniversário de Isabel, quando me tirou para dançar. No começo, tudo ia bem. Contudo, no decorrer das semanas, notei o quão fanático e indelicado ele era. Seu assunto preferido: política. Eu podia contar nos dedos os minutos em que Yuri parava de promover um candidato a vereador chamado "Zé do Hotel", que até hoje nunca vi pessoalmente. Falava com tanto amor desse político que aparentava ser capaz de matar e morrer por ele. Beirava o absurdo.

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