Capítulo 22

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Gael

Na manhã posterior à data de aniversário da Amor Maranhense, acordei com o rosto ardendo, como se alguém segurasse uma vela acesa próximo a ele. Aos poucos, percebi que a luz solar havia adentrado pelo mesmo buraco por onde eu admirava as estrelas da noite anterior. Então, ali, por volta das dez horas, me vi refletindo sobre o quanto a nossa visão de mundo é inconstante, pois, de uma hora para a outra, o que é belo pode incomodar.

Muitos detestam a segunda-feira. Eu; o domingo. É o dia em que não sinto a menor vontade de ligar a tv, colocar o pé para fora de casa ou dialogar com alguém. Porém, como dizem por aí, querer não é poder.

Como de costume, uma das primeiras coisas que fiz após levantar foi dar comida ao Godofredo. Em relação ao meu almoço, decidi não o preparar. Digamos que não sou muito bom na cozinha, e não é por falta de prática, porque aprendi a preparar a minha própria comida desde muito cedo. No entanto, por achar o meu tempero enjoativo, pelo menos duas vezes na semana costumava almoçar no "Restaurante da Dona Célia", a quem sempre chamei de madrinha.

Embora eu a considere assim, o afiliado da Dona Célia não sou eu, mas o Guilherme. O fato é que, por influência do meu irmão, cresci chamando-a de madrinha. E, de qualquer maneira, ela sempre me tratou bem. Inclusive, depois que a Tourette entrou na minha vida, eu me sentia bem mais confortável ao lado dela do que da minha mãe.

Depois do meio-dia, assim que cheguei ao restaurante e me aproximei do balcão, a madrinha Célia empurrou a portinha de madeira que nos separava e me abraçou. Ao me beijar o rosto, ela me deu sua benção. Em seguida, apoiou a mão no meu ombro e disse:

— Gaelzinho! Eu já tava preocupada. Faz uns dias que tu não aparece por aqui!

— Pois é! Eu tava meio ocupado com umas coisas do serviço. Mas pode ter certeza, minha madrinha, que se eu passar mais de cinco dias sem vir aqui, é porque tô mortinho da silva.

— Ave! Desconjuro! Isso não é coisa pra andar se dizendo, não! Ainda mais numa hora dessas... E o Gui, ele tem mandado notícias?

— Já faz um tempinho que a gente se falou. Da última vez, ele me disse que tava abrindo uma academia.

Depois de mais alguns minutos de conversa, eu pedi a ela que me preparasse um "pirão de parida". A madrinha Célia me perguntou se eu era para levar para casa. E, daquela vez, fiz diferente, respondi que iria comer ali mesmo. Após a confirmação do pedido, olhei em volta e, observando que a maioria das mesas estavam cheias, comentei:

— Que bom ver este lugar movimentado. Daqui a pouco a senhora tá rica e famosa, hein. Aí vai ser só entrevistas na tv, rádio...

— Quem me dera! Ia ser muito chique, imagina só.

— Ah, imagino, sim, porque a senhora merece! Mas só tem um probleminha...

— Qual?

Mudando o tom de voz, virei-me de frente para ela como se a entrevistasse com um microfone imaginário.

— Ôh, Dona Célia, mas conta aqui pra nós, qual é a receita desse seu famoso "pirão de parida?"

Entrando na brincadeira, ela me respondeu com um tapinha nas costas:

— Morro pobre, mas não repasso. Tá pensando o quê? Isso é herança! Tá na minha família há gerações.

Divertindo-me com a situação, segui em direção à ultima mesa e me acomodei debaixo do ventilador de teto, que, de tão velho, não parava de ruir.

Conforme os minutos passavam, mais pessoas adentravam naquele local. Porém, nem todas permaneciam por ali, até porque o espaço era pequeno. Em vista disso, muitos dos clientes só chegavam para receber o que já haviam pedido.

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