Capítulo 39

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Estela

— De quem tu tá falando, Gael? Quem faleceu?

Entre uma pausa e outra, ele me respondeu em meio aos tiques vocais:

— O meu pai... E-ele passou mal no supermercado, não sei bem o que aconteceu, porque ainda tão investigando a causa da morte... Por que ele teve de ir embora assim de uma hora pra outra? Eu nem sequer tive a chance de me despedir. Mas que inferno! Ele tinha um neto pra conhecer. Isso é tão... tão injusto!

Ao se calar, ouvi três batidas seguidas durante aquela ligação, uma mais forte do que a outra. Devido a isso, imaginei que ele estivesse socando ou chutando algo.

— Gael... que barulho foi esse? Gael, me ouve!

— Não é nada, foi só essa porcaria de porta que não queria abrir.

— Eu sei que isso é pedir muito, mas tenta manter a calma, certo?! Onde é que tu tá agora? Tem algum familiar ou qualquer outra pessoa conhecida por perto?

Ofegante, ele voltou a falar:

— Ainda tô no hospital. Minha mãe tá preenchendo a papelada pra poder encaminhar o corpo ao IML. Meu irmão tá com ela, tentando segurar as pontas.

— Faz o seguinte. Vai pra onde eles tão... Fica por perto. Não perca os dois de vista de jeito nenhum. Não se isola. Faz isso por mim... Não fica sozinho, tá? Não se isola. Tu é a pessoa mais forte que eu já conheci.

— Obrigado pela força, Estela. Agora tenho que desligar. A gente se fala depois.

— Eu posso te ligar mais tarde?

— Melhor não. Eu tô numa pilha de nervos, e não acho que seja uma boa ideia. Deixa que eu entro em contato contigo.

Naquele instante, Gael desligou e, de repente, senti como se tivesse perdido alguém que eu conhecia. Não me atrevo a dizer que fui atingida pela dor dele, mas a forma como se expressou durante a ligação foi o suficiente para entender que seu mundo havia desabado pela segunda vez.

No dia seguinte, acordei indisposta. Mesmo assim, tive que ir trabalhar. Então, naquele sábado, ao chegar à floricultura, fiz de tudo para não demonstrar meu desânimo durante o expediente, mas falhei. Por mais que tentasse, não conseguia me concentrar nas minhas tarefas rotineiras. Sentia-me impossibilitada até mesmo de mudar a posição dos objetos da minha sala, como fazia toda semana.

Enquanto eu procrastinava em meio a tantos recibos e boletos prestes a vencer, Isabel se deslocou até mim e me perguntou o que tinha acontecido. Diante disso, contei-lhe sobre a morte do pai do Gael.

— Que horror, minha gente! — disse ela. — Como assim? Mas o Gael não tinha ido pro casamento do irmão dele?

— Foi, sim. O casamento aconteceu antes de ontem.

— Nossa, amiga! Coitados deles. Até me arrepiei aqui... — esticou o braço para frente. — Acho que o irmão nunca vai conseguir associar a data do casamento a algo positivo, né? Já que ela antecede a morte do pai.

— Pois é. Não tinha parado pra pensar nisso, mas faz sentido. O que me preocupa mesmo é como o Gael vai lidar com tudo isso, porque o Léo me contou uma vez que ele entrou em depressão profunda quando a esposa morreu.

Ouvindo-me, Isabel deu a volta ao redor da pequena mesa que nos separava e me abraçou. Depois disso, apertou uma das minhas mãos e falou com atenção:

— Tu sabe que não sou a melhor pessoa pra dar conselhos, mas, na boa, amiga, acho que tu não deve trazer isso pra ti, não. Não me leva a mal, não tô falando sobre ignorar o que aconteceu. Só pensa comigo... o Gael tá ao lado da família dele. Então, creio que todo o apoio que ele precisa tá lá. Mais cedo ou mais tarde, um vai encontrar um jeito de fortalecer o outro.

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