Capítulo 31

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Estela

Pode parecer egoísmo, mas o Leonardo entrou na minha vida durante uma fase em que eu não ligava para muita coisa. Sentia-me bem por me enxergar como alguém que não se apegava tão fácil. Não encarava isso como um grande feito. Porém, era algo que me tranquilizava. É como se uma voz me alertasse para permanecer dentro da concha que eu havia criado. Sendo assim, nada me tiraria o sossego.

No que diz respeito àquela época, o Yuri segue como um exemplo vivo da minha falta de consideração. Se bem que, quando se tratava dele, podia-se considerar um caso isolado e recheado de exagero. Entretanto, com o Leonardo foi diferente. Primeiro, porque somos parentes. Segundo, porque conhecia o caráter, ou a falta de caráter, do homem a quem chamávamos de pai. Então, querendo ou não, eu sabia que estávamos no mesmo barco.

A empatia se tornou um fator determinante para a boa convivência entre eu e o meu irmão, tanto é que em poucas semanas já não imaginava a minha vida sem ele. Só que agora teria de deixá-lo ir. O ruim era que não havia me preparado psicologicamente para tal momento.

Ao abrir a porta, pedi que Janete entrasse em casa, mas, no primeiro momento, a mãe do Leonardo se negou a sair da calçada. Ela só mudou de ideia quando o filho repetiu o que eu havia dito.

O assunto era entre eles dois. E ainda que parte de mim quisesse ouvir o que diriam, respeitei aquele instante e os deixei na sala enquanto segui para a cozinha. Pensei em ligar para a minha mãe e lhe contar sobre o ocorrido, mas ela já tinha me alertado sobre o momento em questão. Por conta disso, concluí que era melhor não a preocupar com o ocorrido.

Durante a espera, separei alguns legumes para preparar o jantar. Na medida em que os fatiava, distraí-me e, sem intenção, encostei a lâmina da faca na lateral do dedo indicador, cortando-o de modo superficial. Demorei alguns segundos para notar o sangue sobre a tábua de madeira. Ao me dar conta dele, corri para a pia e abri a torneira na tentativa de estancá-lo.

Enquanto a água escorria pela minha mão, Leonardo apareceu, dizendo:

— Estela, é... Bom, eu decidi que vou com ela, tá? Ela não tá muito bem. Tá precisando de mim e tal...

Naquele instante, desliguei a torneira, forcei um sorriso e, virando-me para ele, comentei:

— Tudo bem! Não tem problema. Na verdade, tu nem precisa se justificar. Ela é tua mãe e realmente precisa de ti. Mãe é mãe, né?

— Que sangue é esse na tua mão? — perguntou-me.

— Não se preocupa, não. Não é nada de mais. É que eu tava cortando uns tomates, e a burra aqui não prestou atenção na faca e acabou dando nisso.

Dito isso, voltei a abrir a torneira e a lavar o dedo.

— Tu vai ficar bem? — continuou ele.

— Vou, sim. Tenho um caixinha de esparadrapo guardada em algum lugar do meu quarto.

— Eu não tô falando do corte, Estela.

— Ah, não? — desliguei a torneira e encostei-me na pia. — Bom, eu vou ficar bem, sim! E tu também vai, né?

— Acho que vou! Agora que ele não tá mais lá, não tenho do que ter medo, né?

Na medida em que falava, Leonardo deu passos largos até mim e me abraçou. Como consequência do ato, fiz o mesmo, mas usei um só braço para não correr o risco de sujá-lo com o dedo.

— Obrigado por tudo — disse ele. — Eu nunca vou me esquecer do que tu fez por mim.

— Que é isso? — falei, sentindo os olhos arderem. — Nem precisa agradecer. Família foi feita pra isso, mesmo... Qualquer coisa que tiver a meu alcance, é só me procurar, tá? Tu sabe bem disso — pus uma das mãos no rosto dele e completei. — E nada de bebidas alcoólicas ou qualquer outro tipo de droga, viu, Léo? Não se esqueça de que sou uma pessoa bem informada, e vou saber se tu tiver aprontando.

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