Capítulo 41

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Estela

Certa vez me disseram que o tempo cura todas as feridas. Porém, ninguém me contou que ele é incapaz de esconder nossas cicatrizes mais profundas, principalmente as da alma. Por falar nelas, aprendi que geralmente perdemos algo ao adquiri-las. Às vezes, algumas gotas de sangue; outras, lágrimas, ou quem sabe até os dois exemplos atrelados a algo muito maior. Uma pessoa, um animal de estimação, a admiração por alguém, o desejo de se encontrar ou a vontade de se perder.

No meu ponto de vista, dois mil e dez foi o ano da mudança, não só para mim, mas para as pessoas com quem eu mais me preocupava. Sem dúvidas, para cada um de nós significou o começo de uma nova era, pois foi durante essa época que a minha mãe, no auge dos cinquenta e sete anos, conheceu o Raul, seu atual marido. E eu não pude deixar de felicitá-la por não ter desistido do amor, ainda que tenha sido por telefone:

— Mãe, e quantos anos esse homem tem?

— Cinquenta e três.

— Tá, e onde vocês se conheceram?

— Ué, ele trabalhava no caixa da farmácia que fica em frente ao supermercado.

— Então... ele não trabalha mais? É isso?

— Vixe! Minha fia, e pra que esse monte de perguntas mesmo, hein? Tu virou foi fiscal?

— Oxe, eu tenho que saber quais são as intenções dele com a senhora. Tá pensando que vou entregar minha rainha assim, é?

— Ai, ai, Estelinha, quem vê assim pensa que a mãe da história é tu, e não eu.

— Posso não ser agora, mas quando a senhora tiver bem velhinha, vai ser tipo isso.

— Nam! Pode tirar teu cavalinho da chuva. Se tu quer filhos, pode cuidar em fazer um, porque euzinha só vou me aquietar quando num souber mais o que tô fazendo. Eu num quero dar trabalho pra ninguém, não.

Na semana seguinte, foi a vez da Isabel aparecer com uma novidade. No primeiro momento, ela chegou de fininho na floricultura e disse que precisava me contar algo. Naquele dia, eu passei a manhã inteira perseguindo-a, tentando arrancar a informação dela, o que foi em vão porque só descobri do que se tratava no final do expediente.

— Estela, tô pedindo demissão — disse ela em um tom sério ao adentrar na minha sala.

— O quê? Mas por quê?!

Durante alguns segundos, Isabel manteve o suspense e, de repente, mudou a feição. Abrindo os braços, ela começou a pular enquanto dizia:

— Porque finalmente fui aprovada num concurso público.

Diante daquela notícia, levantei-me da cadeira e, segurando as mãos dela, acompanhei-a aos pulos. Se algum cliente tiver nos visto pelo vidro da porta, com certeza deve ter pensado que somos loucas, o que não é uma mentira.

Ao longo dos anos, Isabel prestou muitos concursos públicos. Alguns no Maranhão, outros no Piauí e um ou outro fora do Nordeste. A aprovação era o maior desejo dela, e ela conseguiu isso no local mais distante para o qual se deslocou por causa de uma prova, o Rio de Janeiro.

Eu sabia que não seria a mesma coisa, que a partir dali teríamos uma vida completamente diferente uma da outra. No entanto, Isabel era como uma irmã para mim. Então, por mais que se passassem anos, tinha a esperança de sempre reconhecer aquela pessoa que esteve comigo durante os meus altos e baixos.

Como nos conhecíamos desde pequenas, eu e ela optamos por um modo diferenciado de despedida, tanto é que evitamos organizar uma festa ou ir para um bar beber até esquecermos nossos nomes. Isabel e eu tínhamos um medo em comum, e resolvemos enfrentá-lo juntas ao decidirmos pular de paraquedas.

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