Capítulo 40

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Gael

Naquele inesquecível cinco de setembro de dois mil e oito, minha mãe e eu pegamos um táxi e nos deslocamos rumo ao hospital. Chegando lá, tentei arrancar informações com a secretária do prédio que, com os olhos focados na tela do computador, não parava de me pedir calma.

Enquanto a mulher buscava as informações no sistema, minha mãe me puxou pelo braço, dizendo:

— Olha lá, meu filho. O Guilherme chegou antes da gente, ele tá bem ali vindo pelo corredor...

Ouvindo-a, atentei-me em direção ao meu irmão e, ao vê-lo com o rosto vermelho, confirmei minha teoria de que era tarde demais. Com as mãos por trás da cabeça, Guilherme chorava como uma criança, e ainda que não fizesse escândalo, seu desespero era evidente.

Correndo em direção a ele, nós o abraçamos e, ali, em meio ao corredor cercado por tantos pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde, nós três permanecemos juntos por longos minutos. Durante esse tempo, perdi completamente a voz. Por mais que tentasse dizer algo, eu não conseguia. O nó preso na garganta dificultava até mesmo a minha respiração.

Por experiência própria, eu entendia que não existiam palavras capazes de aliviar a sensação ocasionada pela perda, pois apesar de sermos uma família, tudo o que tínhamos em comum era a dor. Naquele momento, era ela quem nos unia, e também nos separava.

Algum tempo depois, o médico e a psicóloga vieram conversar comigo e com a minha mãe. Segundo as palavras dele, meu pai passou mal no supermercado, sendo acometido por algo tão forte que o matou em questão de minutos.

— Mas o que foi esse "algo tão forte?" — perguntei. — A gente precisa saber do que se trata.

— Eu sinto muito, mas não sabemos ainda. O corpo deve ser encaminhado ao IML para constatar a causa do óbito. E isso deve se estender por algumas horas.

Quando ele terminou de falar, respirei fundo e me afastei de todos, pois tudo o que eu sentia era revolta. Por mais que tentasse encontrar algum sentido, não conseguia entender o motivo de ter sido premiado com uma vida recheada de avalanches. Perguntava-me se eu era alguém tão cruel assim para merecer tantas infelicidades.

Durante algumas horas, andei de um lado para o outro, fui para fora do hospital, caminhei pelo estacionamento inteiro, mas nada me acalmava. Inclusive, nessas idas e voltas, um cidadão que estava sentado na calçada me ofereceu um cigarro, e eu quase o aceitei, mesmo sem nunca ter fumado na vida.

Ao retornar para a parte interna do hospital pela segunda vez, encontrei uma sala vazia e fiquei lá por algum tempo. Naquele local, não havia mesa ou cadeira. Através das janelas de vidro conseguia enxergar as construções que o cercava.

Por um momento, escorei-me na parede e sentei-me no chão. Em seguida, tentei ligar para o Daniel, pois, de todas as pessoas com quem mantinha contato, era ele quem melhor conhecia a minha família.

Apesar de tentar informá-lo sobre o caso, daquela vez, a gente não conseguiu se comunicar, visto que a ligação caía antes mesmo de começar a chamar. Suando frio, liguei para a Estela, que não demorou a me atender. Durante nossa conversa, eu desabafei e desabei. Ela, por sua vez, demonstrou compaixão, mostrou-se compreensiva, mesmo diante de todas as minhas frustações convertidas em questionamentos.

Naquela noite, assim como a secretária do hospital, Estela me pediu calma por inúmeras vezes, mas tudo parecia conspirar contra mim, uma exemplo disso foi quase quebrar a mão enquanto tentava puxar a porta daquela sala, que havia travado.

Se tem uma coisa que até hoje não me esqueço foi da Estela me pedindo para não ficar sozinho. Ela falou de uma forma tão humilde que em momento algum me senti como um pobre coitado ou desfavorecido. Pelo contrário, utilizei as palavras dela como um estímulo para manter-me de pé.

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