Capítulo 24

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Gael

Houve uma época em que eu costumava ficar apreensivo diante de datas comemorativas como o "dia das mães", "dia dos pais", "natal" e "ano novo". Detestava o fato de me sentir sozinho, mas fugia quando percebia alguém se aproximando.

Na tarde que antecedeu o segundo domingo de maio, senti-me sufocado. E devido à ansiedade, comecei a andar pela casa e a me incomodar com coisas banais, por exemplo: a textura dos azulejos da sala.

A medicação estava funcionando, e eu não a havia interrompido, nem sequer tinha motivos para isso. Entretanto, sempre que o meu modo "rabugento" era ativado, apelava para o poder tranquilizante dos chás, principalmente o de erva-cidreira.

Algumas horas depois de prepará-lo e ingeri-lo, senti a necessidade de me ocupar com algo. Em vista disso, desaposentei o meu violão que há anos estava guardado. Tirei-o da capa e me sentei próximo à entrada do quarto. Enquanto o afinava, vi o momento em que Godofredo empurrou a porta da cozinha e se deitou próximo a mim.

— Será que ainda levo jeito pra isso, amigão? Acho que tô meio enferrujado... É, essa tua cara de "não me faça perguntas difíceis" já diz tudo. Mas não vou parar, não. Se eu não ocupar a minha mente, vou acabar enlouquecendo. Aí, se isso acontecer, tu vai ter que encontrar outra pessoa pra cuidar de ti. Vai por mim, tá? Não vai ser fácil encontrar alguém que não te imagine sendo parte de um churrasco.

Naquele momento, parei de dar atenção ao Godofredo e foquei nas cifras da revistinha que tinha à minha frente. Levantei algumas vezes para esticar as pernas, mas não demorei muito, pois havia me empolgado. Com isso, o tempo passou sem que me desse conta.

De repente, ouvi alguém me chamando. Então, deixei o violão sobre a capa e desloquei-me para a janela da frente. Do lado de fora, vi o rosto de dois garotos. Apreensivo, um deles sacudia a mão enquanto dizia:

— Ei! ei, moço! Indagorinha eu vi aquele teu bode lá na esquina...

— Foi mermo! — completou o outro garoto. — E tinha um homem lá tentando pegar ele, viu? Tava lá dizendo que era dono do bode.

— Vocês tem certeza que era o Godofredo, mesmo? Porque ele tá bem aqui no corre...

Quando olhei em direção à cadeira, não o vi. Diante disso, nem me questionei sobre como aquilo poderia ter acontecido. Estendi a mão e, na parede, acima da janela, puxei a coleira do Godofredo, que ficava pendurada em um prego. Saí correndo e deixei tudo da mesma forma que estava.

Assim que disparei rumo à direita, um dos garotos gritou:

— EI... EI, MOÇO! Né pra essas banda daí, não. Foi lá naquela outra esquina!

Sem demora, mudei o percurso, mas mantive a velocidade. Quando cheguei ao local designado, presenciei um homem gordinho e bigodudo que, com uma corda em mãos, tentava prender o Godofredo. Enquanto isso, o bode se esquivava em direção a uma cerca de madeira.

Ao redor, havia algumas pessoas observando a situação. Assim que me viu, uma mulher tocou no ombro da outra, e as duas começaram a rir — talvez porque soubessem que o Godofredo pertencia a mim.

Ao me aproximar, toquei no ombro do homem e falei:

— Com licença, meu senhor! Mas de quem é esse bode aí?

Ele me olhou de lado e respondeu:

— Acha que eu ia tá aqui perdendo meu tempo se ele não fosse meu?

Diante da resposta dele, sorri e, ao cruzar os braços, caminhei para a frente, dizendo:

— Parece que ele não vai muito com a cara do senhor, né?

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