Capítulo 2

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Gael

Sempre me perguntei o que vem depois da morte. Às vezes, acredito em novas vidas; outras, que não há nada para se fazer depois de fecharmos os olhos pela última vez. Mas por que estou falando disso? Porque passei por fases em que talvez eu estivesse morto.

Desde cedo, fui atingido por uma enxurrada de informações e nem sequer tive a opção de recusa. Então, minha saída foi aprender a conviver com os problemas que surgiram ao longo do tempo, mesmo sem entender a maioria deles.

Até os oito anos, eu tive uma infância comum. Mas a partir dessa idade, passei por uma mudança brusca em relação ao comportamento. De repente, fiquei mais agitado. Não conseguia controlar meus impulsos, ainda que quisesse. Eu levantava os ombros e mexia a cabeça para trás enquanto vocalizava sons estranhos.

Em algumas situações, começava a "latir" de modo repentino — pode parecer engraçado, mas não é. Na escola, por exemplo, eu sempre acabava na diretoria. Cheguei até a ser suspenso por três dias, pois, para a professora Cleide e a diretora Fátima, eu era um "engraçadinho" mendigando por atenção.

Naquela época, os meus pais brigavam com frequência. E, embora negassem, eu sabia que a culpa era minha. Por diversas vezes, fui para o banheiro ficar na frente do espelho tentando controlar os tiques, mas, ainda que me esforçasse, eles só pioravam. Lembro que minha mãe me pedia para parar com os "surtos". Ela vivia perguntando qual era o meu problema e por que eu não sossegava. Também lembro de levar alguns beliscões, um deles durante a missa de sétimo dia do meu avô. Meu pai era paciente. Porém, vez ou outra ameaçava me internar numa clínica psiquiátrica, o que me apavorava.

Eu sabia que não era louco, mas estava cercado de pessoas tentando me convencer o contrário. Por causa da implicância de alguns alunos, mudei de escola três vezes num único ano e acabei reprovando

Minha família costumava dizer que acompanhamento psicológico era "coisa de rico", talvez por isso tenham demorado seis meses para notar o quanto eu precisava de ajuda. E que aquilo nunca foi "birra". Quem conseguiria fingir algo assim por mais de cento e oitenta dias?

As idas iniciais ao psicólogo não atingiram o resultado esperado. O primeiro, apesar de ser um cara legal, não soube identificar o que eu tinha. E logo me encaminhou a um psiquiatra. Porém, este também não me diagnosticou da forma como esperávamos, mas receitou alguns comprimidos que me dopavam por inteiro. Com o uso constante dos medicamentos, durante algumas semanas, os tiques diminuíram, mas de repente tudo voltou a ser como antes.

Devido aos diversos efeitos colaterais, parei de tomar os remédios. Então, daquela vez, meus pais conversaram comigo e disseram que não desistiriam de mim.

Fomos atrás de outros profissionais, frequentávamos bibliotecas, pedíamos informações. Estávamos em busca de respostas, por menores ou mais complexas que fossem. No entanto, elas só chegaram três anos depois.

Poucos dias após eu completar doze anos, a minha terceira psiquiatra, indicada por uma amiga da minha mãe, diagnosticou-me com "Síndrome de Tourette". E não demorou muito a fazer isso. Foi logo na primeira sessão, um tiro certeiro que quase me matou de felicidade. Lembro que naquele dia eu abracei os meus pais dizendo que não era louco nem birrento. E agora tinha como provar.

Devo dizer que as minhas expectativas estavam altas demais. Eu comemorava como se tivesse a cura em mãos, mas logo descobri que só havia tratamento. A princípio, fiquei triste, mas aquilo já era um grande passo.

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