Capítulo 28

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Gael

Sei que nada dura para sempre, e como sei. No entanto, apesar de tudo o que já vi e ouvi, ainda não aprendi a lidar com o sentimento de perda. Por isso, imagino que na próxima vida carregarei sobre os ombros pendências relacionadas ao apego.

Quando a Amor Maranhense fechou as portas, senti como se parte de mim tivesse ficado preso pelo lado de dentro. Talvez isso tenha acontecido pelo fato de eu ter presenciado o sonho de um grande homem se desfazer, e não ter encontrado as palavras certas para confortá-lo.

Por precaução, eu tinha poupado dinheiro nos últimos meses. Não era uma grande quantia, mas quebraria o meu galho por algum tempo. Ciente de que não poderia ficar parado, assim que tive a oportunidade, fui a uma lan house, atualizei e imprimi cópias do meu currículo.

Com o passar dos dias, eu os distribuí pelas lojas do centro, mas nem por isso deixei de frequentar a biblioteca. Tornei-me um cliente tão ativo que já conhecia algumas pessoas de lá. Dentre eles, tinha o Paulo, um rapaz gago que estudava para passar em medicina; a Gabriela, que costumava me recomendar "As crônicas de Nárnia"; a Amora, uma travesti apaixonada pelo ramo das exatas — era raro as vezes em que não a via com um livro de física em mãos.

Lembro-me que naquela semana aguardei pela ligação da Estela, mas ela não me telefonou. Mesmo assim, segui o nosso plano e, na sexta-feira, fui à floricultura. Ao chegar lá, dei de cara com a Isabel, a amiga dela que conheci durante a festa.

Sem sair do lugar, Isabel sorriu para mim, e eu retribuí o gesto acrescentando um aceno. Naquele momento, quase me desloquei para cumprimentá-la, mas a notei ocupada — enfiando as mãos em um vaso de terra escura.

Do outro lado do balcão, a poucos metros de distância, encontrei a Estela bocejando. Percebendo-a com cara de sono, puxei assunto na medida em que me aproximei. E por poucos instantes permanecemos ali, jogamos conversa fora.

Antes que nosso assunto se prolongasse, verifiquei a hora no celular e falei:

— Era pra eu ter vindo mais cedo, só que tive de esperar o gás chegar. Sabe como é, né? Ele sempre acaba nos momentos mais inapropriados.

— Ah, nem me fale! Esse tipo de coisa acontece comigo o tempo todo... Deixa eu ir logo buscar essas mudas.

Dito isso, ela se deslocou para dentro, e quando voltou, colocou as mudas sobre o balcão. De imediato, um detalhe me chamou a atenção. Por isso, perguntei:

— Oxe, e essas batatas aqui são pra quê? — peguei uma delas.

— É um truque pra prolongar a vida das rosas.

— Ué... Como assim? Não vai me dizer que elas são mágicas, né?

Balançando a cabeça, Estela pegou uma das mudas e exemplificou:

— A batata faz com que a rosa dure por mais tempo porque estimula o crescimento de novas raízes. Olha só pra essa daqui — mostrou-me, erguendo-a —, se tu prestar atenção vai ver que não atravessei o fundo dela com a estaca. Se eu tivesse feito isso, provavelmente não daria certo.

Enquanto ela recolocava a muda no balcão, comentei:

— Ah, bom! Achei que não fosse tão difícil plantar uma rosa.

— E não é, mas também não pode se fazer de qualquer jeito. Quanto mais cuidado, maiores são as chances de elas vingarem.

Naquele instante, fiquei procurando um modo de perguntar a ela se tinha mudado de ideia, se iria comigo ao Sábia Luz. Porém, deixei para questioná-la quando levamos as mudas para o carro.

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