Capítulo 14

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Gael

As pessoas costumam dizer que mesmo diante de grandes dificuldades, devemos erguer a cabeça e seguir em frente, mas e quando não há caminho algum? Devemos ficar parados e esperar algo acontecer ou tentar voltar para o início de tudo?

Durante a missa, enquanto o padre falava sobre a importância do perdão, eu respirava fundo e olhava para os pinos do meu relógio a cada cinco minutos, recusando-me a cogitar qualquer possibilidade de reconciliação. De certa forma, não tinha como eu retornar para a minha zona de conforto, porque ela não existia mais.

Na minha contagem, por cinco vezes vi Letícia olhando para trás, em minha direção — a primeira quando cheguei, a segunda no momento do salmo e as outras três durante a homilia. Fiquei imaginando que, talvez, ela esperasse que eu fosse embora antes de a missa acabar. Não posso negar que pensei nessa hipótese, mas me mantive presente até os últimos instantes.

Naquela noite, o padre deixou o abraço da paz para o final da cerimônia. Então, assim que a equipe de canto iniciou a última música, retirei-me da igreja. Saí por uma das portas laterais e segui rumo ao banco da praça, que ficava debaixo de um Ypê amarelo, próximo a uma banquinha de revistas.

Ao me sentar, abri os braços contra o encosto do banco e fiquei olhando para a porta da igreja. Em poucos minutos, assim que as pessoas começaram a sair, reconheci alguns rostos. Quase todos os amigos de Sofia estavam lá. A Tereza e o Christian da faculdade, a Joana do centro comunitário, o Reginaldo do ensino fundamental, o Caio da loja brinquedos, que sempre teve uma queda por ela, entre outros. Além deles, também vi quatro ou cinco parentes dela que moravam em cidades circunvizinhas.

A poucos metros de distância, os convidados começaram a formar alguns círculos. Neles, uns falavam alto, outros se abraçavam ou eram apresentados por alguém. Sufocado com aquelas cenas, levantei-me e me distanciei. Sobre os ladrilhos, caminhei até o outro lado da praça e me sentei em um novo banco, próximo ao ponto dos mototaxistas. Depois disso, retirei o celular do bolso e abaixei a cabeça enquanto olhava para o display do aparelho. Achava que assim seria ignorado.

Algum tempo depois, quando erguei a cabeça e notei metade das pessoas indo embora, perguntei-me o que eu ainda fazia ali. No entanto, antes que pudesse me levantar, alguém chegou por trás de mim, subiu por cima do banco, sentou-se e disse:

— Eu tinha certeza que tu viria!

Com os olhos voltados para Letícia, eu a saudei com um aperto de mão e um abraço.

— Caramba! É tão bom te ver de novo — comentei. — Esse cabelo curto e escuro combinou muito contigo!

— Obrigada! Pois é! Faz mó tempão, né? Mas não me venha com desculpas, não. Sei que mudei de cidade, mas vim aqui uma vez e ninguém fazia ideia do teu paradeiro.

— Deve ter sido na época em que me isolei de todo esse "movimento" — acenei com a cabeça em direção aos convidados. — Se é que me entende....

— Claro que entendo! Agora faz sentido todas aquelas ligações recusadas... Ufa! Fico até aliviada em enfim poder descartar a minha hipótese maluca de que tu foi abduzido — virou-se para trás e, por alguns instantes, silenciou-se. — Pode me aguardar um segundo? — levantou-se e coçou o queixo, como se estivesse preocupada. — Volto rapidinho! Eu prometo!

No momento em que eu a acompanhei com o olhar, vi o meu ex-sogro posicionado no meio da praça. De braços cruzados, o pai grisalho parecia nervoso. Conversando com a filha, ele se virava de um lado para o outro como se procurasse por alguém. De vez em quando, enxugava o rosto com um lenço, dobrava-o e o guardava no bolso da camisa. Evitei encará-lo. Por isso, disfarcei algumas vezes e fugi com o olhar.

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