Capítulo 8

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Gael

Alguns minutos após se retirar da sala, ela voltou. E, naquele momento, acreditei que fosse me pagar. Em vez disso, olhou para mim, afastou a cortina e, sem mais nem menos, puxou a porta de uma vez, ocasionando um barulho irritante em decorrência do atrito entre a madeira e o azulejo.

Fiquei descompensado. Sei que devemos nos prevenir, porque o mundo está indo de mal a pior. Mas mentiria se dissesse que aquele gesto me deixou confortável. Para mim, foi um ato desnecessário. Eu entendia que não era bem-vindo. E se dependesse da minha boa vontade, nunca teria ido ali.

Entediado, encostei-me no sofá e peguei o papel do endereço para lembrar o nome dela. Já tinha visto de relance, é claro, mas não havia prestado atenção.

— Maria Estela — falei em voz baixa. — Que diferente, parece até nome de vó! Mas bem que poderia ser Maria Encrenca.

Ao guardar o papel no bolso, peguei o celular e abri o joguinho das naves espaciais, que costumava me salvar do estresse. Fiz de tudo para manter a mente ocupada. Não é à toa que passei a tarde assistindo. Eu sabia que o dia seguinte seria difícil para mim, pois Sofia completaria vinte e oito anos se estivesse viva. Por mais que tentasse me concentrar no jogo, não conseguia. Estava ansioso, estressado. Como companhia, eu tinha a Tourette, que não cansava de se manifestar.

De repente, a porta mais próxima se abriu. Então, ao me levantar para encostá-la, estendi a mão para a frente, na direção da área aberta, acreditando que logo pararia de chover. Os pingos haviam diminuído, mas o vento, não. Enquanto estava de costas, ouvi um barulho e me virei de uma vez, empurrando assim a porta com o pé.

Agora, de frente para mim, Maria Encrenca me encarava de forma intimidadora. E eu, sem pensar em nada melhor, olhei para o lado e comentei sobre a chuva. Achei que seria ignorado. No entanto, fui correspondido com uma afirmação ríspida, como se ela fosse obrigada a falar algo.

Quando menos esperei, ela me entregou o dinheiro na medida em que leu o meu nome sobre a farda. Na verdade, quase pronunciou Gabriel, mas corrigiu o erro antes de finalizá-lo. Ao ver que segurava uma nota de cem reais, xinguei-me mentalmente porque sabia que não teria troco para aquela quantia. Entretanto, mesmo ciente da situação, abri a carteira na frente dela para que não duvidasse da minha palavra. Eu tinha algumas notas de cinco e outras de vinte.

Assim que me ouviu falar sobre a falta de troco, ela fez cara de poucos amigos e deixou a entender que não possuía cédulas com valores menores. Tenho consciência de que a culpa era minha, de que eu deveria ter conferido o dinheiro antes de sair. Mas parecia que a Maria Encrenca tornava tudo mais difícil.

— O que foi? — perguntou enquanto me encarava.

Na verdade, era eu quem deveria questioná-la. Em vez de confrontá-la, procurei uma saída ao perguntar sobre os locais próximos onde poderia trocar o dinheiro. Porém, não concluí a frase, pois senti um estalo no pescoço. Maria Encrenca, por sua vez, arregalou os olhos e se afastou de mim. Fez diversas perguntas, quase não parou de falar. Na altura dos acontecimentos, já nem sabia o que me incomodava mais, se era a velocidade da voz dela ou a minha dor no pescoço.

Dizendo que estava bem, eu a interrompi em algum momento, pois só assim se acalmou. Em seguida, voltei ao que dizia:

— Além daquele bar lá embaixo, tem algum outro comércio por aqui?

Mesmo me dando uma resposta positiva, ela não perdia a chance de dificultar as coisas. Por isso, ficou falando sobre a tempestade e o suposto rio que havia se formado lá fora. Nem parecia ser a mesma pessoa que, momentos antes, demonstrou estar preocupada comigo.

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