Capítulo 7

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Estela

Assim que ele entrou em casa, questionei-me sobre a veracidade da situação. Como aquilo era possível? Mesmo com a vagareza dele em retirar o capacete, eu não tinha certeza se aquele homem lembrava de mim, mas, daquela vez, pude observá-lo de perto no momento em que me entregou a caixa de pizza e o refrigerante.

Quando o vi retraído com uma mão sobre a alça da mochila e sem parar de olhar para o chão, tentei desvendar o que o incomodava. Então, de modo repentino, olhei para mim mesma e me dei conta de que eu estava somente de toalha. Envergonhada, saltei para trás, andando de costas em direção ao quarto.

Como se não bastasse, perdi-me nas palavras ao dizer-lhe para não mexer em nada. Não sei o motivo de ter falado tal coisa. Acredito que ele não teria a ousadia de sair bisbilhotando os meus pertences - ai dele se tentasse. Entretanto, apesar de tudo, fiquei horrorizada comigo mesma. Foi automático, sem intenção.

Além das cortinas, havia uma porta que dividia as duas salas de casa. Então, ao passar por ela, virei para trás e o observei através do pano, que o vento não parava de balançar. Queria ver como aquele entregador se comportaria na minha ausência. Porém, ele sentou no sofá, pôs a mochila de lado e aquietou-se. De pernas cruzadas, ficou olhando ao redor, admirado ou horrorizado com tamanha bagunça - suponho.

Preocupada por ter permitido a entrada de um estranho em casa, coloquei o refrigerante no chão, puxei a porta de uma vez e pus o ferrolho sobre ela. Pode até ser que ele tenha se ofendido com a situação, mas eu morava sozinha. Diante disso, tinha que cuidar de mim mesma.

Fui à cozinha, guardei o refrigerante no congelador e deixei a pizza sobre a mesa. Antes, conferi se o sabores condiziam com o meu pedido. Percebendo que tudo estava dentro dos conformes, belisquei um pedaço da pizza e a provei. Em seguida, fechei a caixa e desloquei-me para o quarto. Enquanto caminhava pelo corredor estreito, olhei para o teto. Temia que as telhas fossem arrancadas pelo vento. Podia sentir os respingos da água.

Por um momento, enquanto me vestia, senti-me culpada por ter idealizado aquele homem como membro de um grupo social que provavelmente não fazia parte de sua realidade. Na minha cabeça, ele não era mais rico, não tinha dois carros disponíveis para levar a família à praia. Mas isso não o impedia de ter uma esposa e filhos. Não, eu não estava com pena dele, e nem tinha motivos para isso. Até porque recordava nitidamente do dia em que me fez de palhaça.

Antes de deixar o quarto, peguei minha carteira, que estava sobre a cômoda, e vi que não tinha dinheiro trocado. Ao retirar uma cédula de cem reais, retornei para a sala. E assim que puxei o ferrolho, vi uma das portas aberta. No meio dela, o entregador estava com um braço estendido para fora, como se analisasse a intensidade da chuva.

Sem saber como chamar a atenção dele, visto que desconhecia seu nome, pus a mão sobre a boca e forcei a garganta ao tossir. No mesmo instante, ele puxou o braço de volta. Virando-se para mim, disse:

- Acho que já vai passar.

- Acredito que sim!

- Rum.. rum - disse ao movimentar a cabeça.

Até aquele momento, eu não tinha percebido nada de diferente nele. Quase perguntei se estava se sentindo mal, mas achei tal atitude indiscreta. Pensei: se ele fizer de novo, eu pergunto. Aposto como deve ser uma mania.

- Aqui tá o dinheiro, Gael - entregando-lhe a cédula, li o nome que estava bordado sobre a altura do peito esquerdo dele.

Encarando-me como se eu tivesse cometido um crime, ele abriu a carteira e me deixou com a mão estendida.

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