Capítulo 33

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Estela

Ao chegarmos à casa do Gael, não demorou para que ele colocasse o filme. Então, antes de me sentar no sofá, peguei a capa do dvd sobre o raque e analisei a ficha técnica do material que, por mais estranho que pareça, não possuía sinopse. Se algum dia existiu, Gael havia se livrado dela.

Verifiquei que "É hora de ir" tinha aproximadamente duas horas e meia de duração, o que me deixou receosa. Filmes longos não costumam ser os meus favoritos, pois, no meu entendimento, é difícil não distorcer a mensagem principal depois de um certo tempo de exibição, isso quando existe alguma.

— Gael, me diz uma coisa, o filme todo é assim? — falei, mostrando a ele a capa em preto e branco.

— Não, não, pode ficar tranquila. É em cores, mesmo. O preto e branco da capa é só pra parecer mais "cult". Se é que me entende.

— Poxa, que pena! Acho filmes em preto e branco bastante interessantes.

— Tá falando sério?

— Sim! Pior que tô. Aprendi a gostar deles durante a faculdade.

Dito isso, ajeitei-me no sofá, peguei a almofada mais próxima e a coloquei sobre as minhas pernas.

Enquanto aguardávamos o aparecimento de qualquer imagem na tv que não fosse a tela azul, Gael disse:

— Acho que vou fazer pipoca, tu quer?

— Não, obrigada. É que depois que da meia-noite eu não como mais nada.

Diante da minha recusa, ele se sentou ao meu lado, pegou o controle remoto do dvd e deu play. A partir dali, começamos a assistir ao filme.

Confesso que a forma como o Gael me falou do Bradley Grunt me fez imaginá-lo de um modo diferente do que ele realmente é. Eu sabia que se tratava de um ator bonito, mas as minhas expectativas não foram atendidas.

Bradley Grunt era um homem loiro, tinha olhos verdes e uma pele impecável. No entanto, parecia uma versão madura dos meus ídolos internacionais da adolescência. Não sei se mudei os meus gostos ou se enjoei deles, mas não vi nada de mais no homem que protagonizava aquela trama.

Compartilhar meu pensamento com o Gael nos deu abertura para novas conversas. Portanto, atentei-me tanto ao filme quanto aos nossos diálogos, que só evoluíam. Eles se expandiram de tal maneira que, de repente, falávamos sobre nossas expectativas em relação às novas gerações. A minha visão quanto ao futuro era otimista, a dele nem tanto:

— Não sei exatamente o que esperar. Não falo nem pelas novas gerações, mas pela lentidão como as coisas acontecem. Acredito que, pra nossa época, a inclusão, por exemplo, deveria ser mais trabalhada, debatida. Não sei se tu tem ideia da dimensão disso, mas é difícil, por exemplo, encontrar uma escola pública que atenda às necessidades de um aluno surdo, cego ou autista.

— Pra ti deve ter sido complicado, né?

— Digamos que um bocado, mas pelo menos tive a oportunidade de concluir o ensino médio... Tem gente que nem chega a isso, e não é por falta de vontade, mas de suporte, mesmo.

— Mas tu sempre soube o que tinha? Digo, em relação à tua síndrome.

— Não... Na verdade, nem sempre fui assim. Os sintomas apareceram quando eu era criança, mas só fui diagnosticado mesmo aos doze anos. Então, passei anos e anos sendo visto apenas como um menino birrento e sem educação.

— Entendo. Tu parece ser um cara cheio de segredos.

— É... Nem tantos, mas pelo menos não sou o único a esconder alguma coisa.

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