Capítulo 42

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Gael

Além de toda a beleza exuberante, Fortaleza me fez ter noção da grandeza do mundo e de suas possibilidades. No primeiro ano em que estive por lá, um dos poucos problemas que enxerguei foi a questão do trânsito que, a meu ver, era caótico. Durante tal período, eu sempre corria na hora de atravessar a rua, porque era assim que evitava ser atropelado. Entretanto, não demorou para me dar conta de que o problema não estava na movimentação da cidade, mas comigo mesmo, porque, afinal de contas, era eu quem havia saído da bolha.

Após ter conseguido um emprego no cinema, tive a oportunidade de me conhecer melhor. Numa determinada noite, eu estava na varanda de casa observando os prédios distantes e me questionei: Caramba! Olha só tamanho desta cidade. Deve ter local pra todo tipo de público, e o que diabos eu tô fazendo aqui trancado uma hora dessas, hein?

A partir de então, parei de recusar os convites das farras que meus colegas de trabalho promoviam ou frequentavam, o que gerou uma certa estranheza, visto que, de acordo com as palavras deles, eu era aquele que chegaria em casa antes da meia-noite.

Éramos um grupo de seis pessoas, três homens e três mulheres. Um pagodeiro, uma roqueira, um forrozeiro e outros com gostos variáveis. O legal da história era que não existia preconceito algum em relação ao gênero musical. Às vezes, durante as folgas, nossa noite começava em uma boate, depois íamos parar num clube onde só tocava rock ou num bar onde o forró durava a noite toda.

Dentre essas saídas noturnas, certa vez fomos parar num karaokê onde existia a premiação em dinheiro. Então, depois de todos os meus amigos soltarem o gogó, começaram a me perturbar para que eu cantasse. Confesso que resisti bastante, porque estávamos em um local cheio. E, cá entre nós, fazíamos parte da mesa mais barulhenta e mais bagunceira de todas, o que não era um ponto negativo.

Aquela noite no karaokê mudou completamente a minha rotina, pois enquanto tremia ao cantar "Gita" do "Raul Seixas", acabei ficando em evidência. Eu não sabia o que as pessoas pensavam sobre a minha performance, mas a maioria delas prestavam atenção em mim. De qualquer forma, deixei a timidez de lado e continuei a cantar.

Daquela vez, não ganhei o prêmio principal da noite, mas recebi uma proposta interessante, pois, assim que a música acabou, um homem de terno, que segurava uma taça de vinho, dirigiu-se para a nossa mesa e falou para os meus colegas:

— Com licença, senhores. Será que posso "sequestrar" o amigo de vocês por uns minutinhos? Garanto que é coisa rápida.

Naquele momento, percebi que ninguém fazia ideia do que se tratava. Então, levantei-me da cadeira e, após chacoalhar os ombros para aqueles que me acompanhavam, segui o homem, que seguiu para o lodo oposto, distanciando-se das caixas de som.

Ao beber um gole da taça de vinho que carregava consigo, ele disse:

— Cara, tu manda muito bem cantando. Fiquei bastante impressionado.

— Obrigado. Na verdade, eu sou apenas um grande apreciador de música.

— Tá me dizendo que não trabalha com isso?

— É, atualmente, não. O máximo que já fiz foi dar aula de violão e cantar em ocasiões mais reservadas. Aniversário de amigos e tal.

— Que pena, porque acho que as pessoas iriam gostar de te ouvir mais vezes por aqui. E isso não é uma opinião só minha, tá? Depois que te ouviram cantar, minha filha e minha esposa praticamente me obrigaram a ir falar contigo.

— Oh, moço, muito obrigado, e agradeça a elas também, de coração. Só que nem sei se ainda vou vir aqui, porque, cá entre nós, os preços são meio salgados, né? Principalmente os da caipirinha... Nossa Senhora!

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