Capítulo 17

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Estela

Até que ponto conhecemos as pessoas? Essa costumava ser uma das minhas questões favoritas, porque é fácil perguntar a alguém se está tudo bem; difícil é obter uma resposta sincera, já que, muitas vezes, quem pergunta não tem tanto interesse, e quem responde evita se expor. No final, tudo não passa de um protocolo diário que começa com um "bom dia" e termina no "boa noite".

Confesso; parte de mim ainda se envergonhava pela visão equivocada que tive do Gael, porque desde o dia em que esteve em minha casa, vi-me obrigada a mudar de opinião em relação a ele. Naquela noite, descobri que não era um cara privilegiado, mas nunca passou pela minha cabeça que tal informação fosse irrelevante em comparação ao que viria.

— Coitado! — falei, sentindo um nó na garganta. — Eu... eu nem sei o que dizer, Léo.

— Pois é! Soube que, depois da morte dela, o professor entrou em depressão profunda e sumiu da cidade. Acho que ele ainda nem deve ter trinta anos. Eu não sei como é perder alguém, mas penso no quanto deve ser difícil ver aquela pessoa todos os dias, e de repente ter que se conformar com a ausência dela... Sei lá, acho que não tenho muito psicológico pra isso. Na boa, eu surtaria!

Mesmo não tão próximos, eu observava a inquietude de Gael, já que não parava de se movimentar. Pensei em não o mencionar mais, porém a minha parte investigativa precisava ter conhecimento a respeito de quem ele era, pois os meus "achismos" já não eram suficientes.

— Parece que ele tá meio nervoso. Viu só? Não para de andar de um lado pro outro.

— Deve ter acontecido algo — Leonardo pausou enquanto parecia analisá-lo. — Da última vez em que topei com ele, os tiques eram menores. Mas, agora, daqui dá pra ver os movimentos com a cabeça.

— Sim, eu tava percebendo mesmo esses movimentos estranhos. Além da depressão, sabe me dizer se ele tem alguma outra doença?

— Sim! Síndrome de Tourette... Não sei se vou saber explicar direito, mas, tipo, sei que ele não consegue controlar os movimentos dele. O professor Gael toma remédio desde os doze ou treze anos, e parece que ainda não encontrou um que realmente faça a diferença. Entendeu?

— Acho que sim. E confesso que tô completamente admirada contigo por saber tanto.

— Mas dessa parte eu não tinha como não saber, né? Porque quando o Gael começou a dar aulas no Centro Comunitário, todo dia alguém perguntava o que ele tinha e tal, alguns até ficavam imitando o jeito dele. Então, teve uma tarde em que, em vez de ensinar a gente a tocar violão, ele palestrou sobre a Tourette e deu espaço pra que as pessoas tirarem suas dúvidas. Foi bem bacana, porque não foi daqueles "blá, blá, blá" que dá vontade de dormir ou ir embora.

Naquele instante, Gael parou de transitar de um lado para o outro. Caminhou em nossa direção, e, a poucos metros da gente, mudou de lado, seguindo de cabeça baixa para a entrada da pizzaria. Momentos depois, um garçom veio até a nossa mesa e me perguntou se iriamos pedir algo. Como a Isabel havia sumido, disse a ele para nos trazer um refrigerante e deixei Leonardo à vontade para fazer seu pedido.

— Léo, eu vou ver se a Bel tá realmente no banheiro, ok? — levantei-me da cadeira. — Volto daqui a pouco!

Lembro que da última vez em que havia ido ao banheiro daquela pizzaria, ele se localizava no canto direito, de frente para uma porta de vidro. Porém, naquela noite, ao me deslocar até ele, deparei-me com uma parede amarela.

Perdida, pedi informação a um dos garçons que me encaminhou para o lado correto. Ao seguir as instruções dele, adentrei naquele cômodo e vi Isabel com as mãos sobre a pia, de frente para um enorme espelho. Ali, através do reflexo, notei seu rosto avermelhado. A passos curtos, chamei pelo nome dela, e quando ela se virou para mim, corri em sua direção a abracei, mesmo sem saber o que tinha acontecido.

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