19 [Insônia]

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— Sr. Graves. — ela abaixou a varinha.

— Não tem mais ninguém aqui, Tina. — disse ele, guardando a própria varinha também. — Me chame pelo primeiro nome.

— Força do hábito — ela mordeu o lábio e sentiu o gosto fraco de ferro invadir a boca. Repetiu aquele ato mais que o comum durante a semana e acabava sempre por adquirir pequenos machucados. —, Percival.

— O que está fazendo acordada? — ele gesticulou para cima e o lustre se iluminou.

— Sem sono. — ela respondeu. — E você?

— Fui andar um pouco.

Tina estranhou a resposta, mas não questionou mais nada.

Ela não era a única que sofria com pesadelos, os dele são piores e mais frequentes que os dela. Era plausível que ele não estivesse dormindo.

— Vai querer um pouco de chocolate quente? — ela ofereceu, numa tentativa de quebrar o silêncio embaraçoso.

— Seria bom.

Ela regressou para a cozinha novamente, acompanhada por ele. Percival ficou quieto, apoiado no balcão, enquanto esperou a bebida doce e prestou atenção com os olhos lânguidos nos movimentos dela ao balançar a varinha. Ela estendeu a caneca para ele.

— Você está bem? — ela perguntou e ele sabia que não se referia somente à aquele instante. — Sabe... com tudo.

Percival bebeu um gole do chocolate e assentiu.

— Temos que estar, não?

—  É o jeito. — ela concordou, notando que o próprio chocolate começou a esfriar. Ela tomou o restante da bebida num gole. — Sabe do que eu estou sentindo falta? — ele negou com a cabeça. — Cachorro Quente.

— Cachorro Quente? — ele deu um pequeno sorriso. — Lembra daquela vez que você esbarrou em um homem e sua camisa ficou toda suja de mostarda?

— Lembro. — ela parou de passar o polegar pela caneca para apontar um dedo acusatório. — E foi ele que esbarrou em mim, eu estava parada.

Graves deu de ombros e tomou mais um gole da bebida.

Aquilo era quase uma memória esquecida por Tina; para Percival foi uma das maneiras que encontrou de se manter longe da loucura, pensar nos momentos que teve com ela e nos raros sorrisos.

Ficou alguns segundos encarando-a, a decisão foi tomada e ele deixou abandonada a caneca de chocolate quente. Se aproximou dela, tomando o queixo com a mão e depois deslizando para a nuca.

Ele tentou beija-la.

Como resultado instantâneo ela arregalou os olhos e o empurrou, de modo nada gentil e talvez com mais brutalidade do que realmente pretendia.

— Você está confundindo as coisas. — ela disse, com olhos ainda arregalados e semblante incrédulo.

— Não pareceu confuso para mim nem para você um tempo atrás. — ele tentou se aproximar dela novamente.

Tina sentiu o rosto aquecer ao pensar que ele estava certo, em parte. Entretanto, desde 1926 muito dentro de si mudou, e nem mesmo a reaparição de Percival alteraria isso.

Ela pegou a varinha do balcão e se esquivou dele, dando dois passos para trás.

— As coisas mudaram. — ela declarou, erguendo o queixo e enrijecendo a coluna.

— Tanto assim? — ele colocou  as mãos no bolso do casaco preto e elegante.

As linhas escuras acima dos olhos se tornaram mais próximas, o maxilar mais apertado e os olhos se mantiveram nela. Tina se perguntava o que os olhos dele procuravam ao encara-la, talvez ele estivesse tentando pegar um sinal que confirmasse ou negasse o que havia dito.

Como prometi, voltei [Newtina]Onde histórias criam vida. Descubra agora