Continuo dentro do banheiro chorando por mais 10 minutos, sem saber explicar o que me deixou dessa maneira. Sim, eu estou frustrada com a vida, decepcionada com a falta de perspectiva, mas eu não sou uma pessoa infeliz. No fundo eu sei que possuo tudo o que é realmente necessário na vida: amor, família, comida.
Não é como se eu surtasse todos os dias da minha vida.
Então por que eu estou dentro do banheiro, chorando de soluçar simplesmente por ter derrubado água na camisa de um dos esnobes arrogantes que eu odeio? É inconcebível.
Talvez seja porque o cara nem se deu ao trabalho de esboçar uma reação. Ele parece ser a personificação do que eu e as meninas acreditamos ser um dos advogados da empresa (nós apenas acreditamos porque nunca tivemos o mínimo contato com eles): babaca.
A única coisa que eu quero é voltar para a segurança da minha casa. O dia mal começou e já está exaustivo demais.
Como não tem nada a ser feito, resolvo me levantar e parar de pensar naquilo. Foi apenas um acidente, não tem necessidade de me trancar no banheiro para chorar. Não tem necessidade de surtar. Eu sou uma mulher adulta, dona do meu próprio corpo e mente.
Pensando dessa maneira, lembrando-me também de como meus irmãos reagiriam se me vissem chorando trancada no banheiro, junto todas as forças que possuo e vou lavar o rosto, ignorando a outra menina que divide a pia comigo. Eu consigo ser uma vaca quando quero. E naquele momento eu tenho que ser. Pouco importa àquela garota o que eu estou fazendo chorando no banheiro.
Minhas mãos não estão mais trêmulas e ao passar a água fria pelo rosto quente, me sinto imediatamente melhor. Eu tenho sorte por ter a pele morena, assim meus olhos não ficam inchados e eu não fico toda vermelha, denunciando meu choro. E assim, com a dignidade um pouco restaurada, pego outro copo de água e volto à minha mesa, ignorando os olhares que vêm de todos os lugares.
Eu estou acostumada com olhares, não preciso me intimidar com eles. Agora que eu retomei o controle de mim mesma, consigo pensar claramente. Sempre soube que sou mais bonita do que a maioria das pessoas, e com os pés no chão, sempre soube lidar com isso – se não soubesse minha mãe me daria uma surra para ensinar um pouco de humildade. A pele morena contrasta com meus olhos mais claros – minha maior herança europeia. O restante é todo brasileiro, da forma do corpo, ao aspecto mais cheinho do que magro.
No fim, junto toda a determinação que eu sempre carrego dentro de mim e faço minha cara "não tô afim de papo" e caminho com confiança pelas mesas, calculadamente sem procurar pelos olhos azuis que me aterrorizaram antes.
Laura olha para mim e logo começa a digitar convulsivamente, e eu sei exatamente o que aquilo significa. Assim que coloco minha senha no computador, a janela de mensagens de Laura pisca enlouquecidamente para mim.
Laura P. Hayashi: o que aconteceu? Vc tá com aquela cara malvada de Melindão.
Melinda Perucci: Melindão... faz muito tempo que não ouvia isso... Na verdade aconteceu a coisa mais bizarra de todo o universo agora.
Laura P. Hayashi: ME CONTA TUDO.
Melinda Perucci: hauahuhauha sabia que você ia ficar toda animadinha assim... antes, qual nosso pacto secreto??
Laura P. Hayashi: Juro solenemente não contar para ninguém o que você vai me falar. AGORA ME CONTA TUDO.
Melinda Perucci: Você é doida... ok. Eu encontrei um dos pedaços de mal caminho que vocês tanto falaram... e eu dei um banho de água no cara.
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A Chance do Tempo
ChickLit"Melinda não é feliz. Apesar de ter uma família amorosa, trabalhar com algo que parece fazer a diferença para alguém - mesmo que não para ela - e ter ótimas amigas, falta algo. Mas ela deixa de pensar nisso quando o seu mundo vira de ponta cabeça ap...