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Eu estou imóvel, no banco do passageiro desse carro imenso, tensa como um fio esticado demais, sentindo a mão fria dele na minha. Não existe mais aquele aperto no peito como no dia em que ele me deixou em casa, apenas conforto.

Muito conforto. Mesmo sabendo ser errado eu me sentir dessa maneira.

Viro meu rosto para a janela, observando as ruas de São Paulo passarem vagarosamente. Eu não queria ter aceitado a ajuda dele, mas é muito difícil controlar meu corpo e minha mente quando ele me olha daquele jeito, como se estivesse decidido a fazer algo e não havia nada que eu pudesse dizer que o fizesse mudar de ideia.

E segurar a minha mão daquela maneira ajuda menos ainda.

Ele apenas me pergunta em que hospital meus pais estão, e continua dirigindo em silêncio, focado no caminho. No fundo eu sei que ele está indo exageradamente devagar por minha causa – ele deve ter reparado que eu não estou confortável dentro do seu carro.

Tento refrear esse sentimento de segurança que eu sinto ao lado dele, mas é impossível. Desde o momento do acidente, esse é a primeira vez que eu realmente relaxo.

Não que eu consiga relaxar de verdade, afinal eu sei que o acidente foi inteiramente culpa minha – nada que ninguém diga muda minha opinião. Se eu tivesse prestado mais atenção ao cruzamento ao invés de pensar no estúpido nome do castelo italiano do meu sonho, teria visto o outro carro passando no farol vermelho.

Eu e papai estamos bem até, mesmo que o outro carro tenha quase esmagado o braço dele, que estava apoiado na janela. Mas a minha mãe... ela não usava cinto de segurança no banco traseiro.

Afinal, quem é que usa esse tipo de coisa dentro da cidade?

Ela está internada na UTI com graves lesões na coluna e vários órgãos machucados ou até perfurados, causados pelas ferragens. Eu saí praticamente ilesa do acidente, já que o impacto foi do outro lado do carro – onde meus pais estavam.

─ Quer me contar o que exatamente aconteceu? ─ a voz de Gustavo interrompe as imagens confusas do acidente que rondam a minha mente em modo repetição infinita.

─ Um carro passou o farol vermelho e bateu em cheio no nosso... do lado do passageiro onde meus pais estavam ─ sinto um leve aperto na mão que Gustavo segura, encorajando-me a continuar ─ eu consegui sair do carro sem problemas, apenas com um corte no pescoço, mas quando vi que o carro estava começando a pegar fogo, fui tentar soltar os meus pais.

A dor me sufoca, mas eu seguro as lágrimas como posso. Não quero mostrar fraqueza para ele. As imagens voltam violentamente à minha mente. O vestido que eu amava se rasgou todo enquanto eu rastejava de volta para dentro do carro, tentando soltar o cinto de segurança do meu pai, antes que as chamas chegassem nele.

─ Várias pessoas tentaram me segurar para não mexer neles... mas eu não podia deixá-los lá queimando. Então eu mordi o senhor que me segurava e voltei para o carro, peguei o extintor e tentei soltar o cinto do meu pai. Ele estava desacordado, e eu tentava não olhar muito para a minha mãe... ela... estava numa posição pouco natural.

Mais uma pausa, mais um aperto da mão fria de Gustavo na minha. Não deveria ser tão difícil assim contar o que tinha acontecido. Eu contei a mesma versão para a polícia, para os bombeiros, para os médicos...

─ Quando consegui pegar o extintor, outras pessoas já tinham pensado no mesmo que eu, e começamos a tentar apagar o fogo. Mas então eu ouvi os gritos do meu pai. Ele tinha acordado... e estava queimando ─ dessa vez não consigo segurar as lágrimas ao me lembrar dos gritos desesperados do meu pai ─ eu voltei para dentro do carro e comecei a soltar ele... o fogo pegou nos meus braços, mas eu não me importei. Só sai de dentro quando consegui soltá-lo com a ajuda das pessoas.

A Chance do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora