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A criada entra na cozinha, carregando o balde pesado, cheio de batatas, com tanta dificuldade que Sofia é obrigada a ajudá-la. A garota sorri em cumplicidade para a criada, e juntas elas levam o balde para perto do caldeirão. Sofia entrega uma faca à criada, que se senta no chão e começa a descascar uma batata.

— Melinda, onde estavas? Filomena está louca atrás de você. Até o patrão deve ter escutado de tanto que ela gritava, MELINDA, MELIIIIINDAAAA — Sofia faz uma imitação da governanta, e com muito esforço a criada não começa a rir.

— Um acidente, Sofia... não consegues ver como estou molhada? Vou congelar antes que a velha me encontre.

Ela continua a descascar a batata, a mão trêmula com o frio que gela seus ossos – o fogo da lenha não consegue esquentá-la, seu vestido molhado não permitindo que isso aconteça. A única razão pela qual faz o comentário ousado e maldoso sobre Signora Filomena é porque se aproximou de Sofia, a única criada com idade próxima à sua. Ela foi a única que viu como o mestre deu uma moeda de ouro para a criada no seu primeiro dia.

A criada mandou a moeda e um bilhete para que seus pais comprassem comida e enviassem algo para a família de Sofia também. Desde que descobrira que seus irmãos tiveram uma boa refeição, Sofia não desgrudara dela.

A cozinha está bem barulhenta, com todos os criados correndo de um lado para o outro. Alguns cuidam dos porcos no quintal dos criados, outros estão polindo a prataria ou ainda passando as toalhas que irão cobrir a gigante mesa do salão. Algumas das mais velhas estão escolhendo flores, tão cegas pelos anos de serviço que estão fazendo feios arranjos. A criada sabe que mesmo Signora Filomena sabendo de suas limitações, não vai perdoar que sua mesa esteja desagradável aos olhos dos ilustres convidados.

Ela se levanta, pedindo silêncio para Sofia, e se aproxima de Signora Matilda, sussurrando em seu ouvido para colocar as rosas com as hortênsias em vez de coloca-las com as astromélias, explicando que as cores não são boas para as combinações e que um arranjo branco vai deixar Signora Filomena mais satisfeita. A velha agradece, colocando uma mão enrugada e calejada no rosto da criada, e ela sorri em resposta.

Trabalhar no castelo Strozzi é gratificante de muitas maneiras, e a criada se sente feliz por ajudar. Depois de depositar um beijo na bochecha de Signora Matilda, ela retorna para as batatas, sentindo-se satisfeita. O jantar poderá ser uma tragédia, mas será bem decorado.

Sofia a olha com interesse, o rosto franzido como se estivesse se esforçando para encontrar algo diferente na criada, que evita seus olhos com determinação.

— O que acontece com você hoje, Melinda? Por que ficou tanto tempo fora? Se não prestar atenção, vai acabar cortando seu dedo!

E no momento em que Sofia profetizou, a criada passou a faca pelo dedo, soltando uma grande quantidade de sangue.

Caspita! Olha o que me fizestes fazer, Sofia!

A criada se levanta, desesperada com a dor pungente que vem de seu dedo, e também com a possibilidade de manchar o ensopado. Filomena a mandaria de volta para seus pais se isso acontecesse.

Ela sai correndo pelos corredores internos, privativos dos criados, procurando por alguma camareira que possa ajuda-la com seu dedo. O vestido molhado se torna um grande empecilho e a necessidade de não poder também manchá-lo com o sangue deixa a criada irritada. Sua desatenção com a faca se deve unicamente ao que aconteceu em meio aos lençóis mais cedo.

Ninguém nunca tinha tentado beijá-la antes, e a primeira vez tinha que ter sido justamente seu patrão. Ou o filho de seu patrão. Não importa, ela sabe seu lugar, e nunca mais vai permitir que algo parecido aconteça – nem que este fato isolado tire sua concentração a ponto de se machucar novamente, ou pior, perder o emprego que garante a comida de sua família.

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