A viagem de volta está sendo a pior da minha vida. Passei meu domingo inteiro no ônibus, e a segunda-feira está apenas começando agora. Estamos perto de São Paulo e só tem um destino seguro para ir.
Tive que desligar o celular logo depois que entrei no ônibus, porque ele não parava de me ligar. Mandou milhões de mensagens, que eu apaguei sem ler – não podia fraquejar. Dentro da minha mala eu encontrei minhas roupas, jogadas de qualquer jeito, e um embrulho com comida – nada de carne de porco – e uma trouxinha que eu não tive vontade de abrir. Uma garrafa térmica com café e alguns pães e bolos bem embalados. Não consigo ver isso como obra da mãe dele – eu não a vi depois que saí da casa da velha.
Foi a Neide/Filomena que me fez a "gentileza", tenho certeza. Mas eu não consegui comer. Também não consegui dormir, com medo de sonhar com a criada e ela me dar novos ferimentos. Minhas costas já doem o suficiente. Em uma das paradas encontrei uma farmácia e comprei alguns remédios para tentar aplacar a dor.
Mas nada é capaz de diminuir a dor que sinto por dentro. O vazio não é possível de se preencher com comida.
No meio da madrugada minhas lágrimas secaram, e eu remoí tudo o que a velha me contou. Eu iria morrer. Bom, sei que todos um dia morrem, mas pela maneira que ela falou, não deve demorar muito.
Eu quase morri muitas vezes. Mas eu ainda não conhecia Gustavo direito. Então o destino aguardou para que eu morresse apenas quando nosso amor tivesse sido plantado novamente. Eu acho injusto ter que sofrer ainda por algo que fiz há tanto tempo. Eu não conheço magia negra, não sei nem se isso existe nos dias de hoje.
Então por que eu preciso morrer agora? Por que não posso ser feliz com ele?
Chegando na Rodoviária Tietê, pego um taxi sentido à casa de Larissa. Sei que já é segunda-feira e ela vai estar no trabalho, mas sua mãe pode me receber. Ela sempre foi muito gentil comigo, e é o único lugar para onde eu posso ir que nem Gustavo ou Fernando sabem onde fica.
— Oi minha querida! Que bom que você chegou! — esse é o tipo de querida que gostamos de escutar, quando é verdadeiro.
Eu liguei o celular mais cedo e avisei Larissa que iria para a casa dela. Foi muito difícil de ignorar as mensagens dele... mas fui forte.
Abraço a mãe da minha melhor amiga, sentindo o amor que ela tem por mim, e sem conseguir segurar, começo a chorar. Por tudo. Pelas perdas, pelo destino cruel escrito para mim.
Ela não me pergunta nada – acho que ela pensa que estou chorando pelo o que ela já sabe que aconteceu: meus pais, o Fernando...
— Vamos entrar, vou fazer alguma coisa bem gostosa pra você comer, e assistir crepúsculo até a Larissa chegar. O que você acha disso querida? — a mãe da Lari é viciada nos filmes da saga Crepúsculo e assiste quase sempre que tem a chance.
Não estou no clima para assistir um romance, mas também não estou com vontade de nada.
Ela consegue me convencer a comer um pouco, e passamos a tarde inteira assistindo os filmes que ela tanto ama. Liguei o celular para avisar meus irmãos onde eu estava. Ninguém me questionou, apenas ficaram felizes de eu estar num lugar que eles conhecem. Liguei para o André também, e pedi para que ele não contasse para o Gustavo, caso ele o procurasse. Ele me perguntou por que, e eu apenas disse que não queria mais vê-lo.
— Crepúsculo de novo, mãe? Você vai matar a menina assim — a voz de Larissa me tira do torpor, e saio correndo para abraça-la. Eu estava com saudade dela, e ver seu rosto sorridente é um alívio necessário. Eu preciso da minha melhor amiga.
E eu tinha tomado a decisão de contar tudo o que tem acontecido para ela. Absolutamente tudo. Se Gustavo podia ter Vó Neide para apoiá-lo, eu teria Lari e seu centro espírita do meu lado. Eu não vou desistir... não é porque a velha me disse que eu não tinha salvação que eu teria que acreditar.

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A Chance do Tempo
Literatura Feminina"Melinda não é feliz. Apesar de ter uma família amorosa, trabalhar com algo que parece fazer a diferença para alguém - mesmo que não para ela - e ter ótimas amigas, falta algo. Mas ela deixa de pensar nisso quando o seu mundo vira de ponta cabeça ap...