01

893 76 26
                                    

Melinda?

Viro-me distraída para a voz que me chama. Olho para minha colega de trabalho e sorrio sem muito entusiasmo. Não quero irritá-la logo de manhã cedo.

─ Me desculpa Ana... eu só estou cansada... – tento sorrir com mais vontade. Nunca foi muito difícil enganar Ana.

─ Cansada do que? Acabou de voltar das férias! ─ minha colega ri enquanto me dá um empurrãozinho com seu ombro, em uma fútil tentativa de me animar mais.

─ Exatamente... nem mesmo voltei e já estou cansada! ─ acabo rindo sinceramente com o entusiasmo da garota mais nova, enquanto empilho mais uma caixa ─ eu já estou cansada de mudar tantas caixas de lugar... isso não é uma boa recepção para alguém que acabou de voltar, sabia? Não imaginava que eu tinha sido transferida ao almoxarifado, ou então eu nem voltava.

─ Problema é seu se você resolveu tirar férias durante a nossa mudança de andar. Estou aqui só te ajudando, então um pouquinho mais de animo, por favor.

Mostro a língua para Ana, meu humor voltando a ficar pior, mas continuo empilhando as caixas com as minhas coisas que ficaram no nosso antigo departamento. Eu sabia que iria passar por isso quando voltasse dos míseros 10 dias de férias que tinha tirado. Meu departamento inteiro se mudou de andar para ficar localizado em um lugar mais estratégico. Eu não curti muito a ideia a princípio, mas não existe nada que possa me animar de verdade dentro daquela empresa.

Ainda estou tentando achar o meu lugar aqui dentro, mas parece uma missão impossível. Uma psicóloga dentro de uma empresa de tecnologia? Eu sei que é loucura ter aguentado tantos anos na mesma situação, mas a perspectiva de não ter outra opção aos 28 anos de idade me deixou resignada quanto ao meu destino. É como se eu estivesse fadada àquele lugar.

Eu trabalho no departamento de recursos humanos, cuidando do precioso capital da empresa, para que ninguém desista de lutar pelos ideais revolucionários da companhia que começou como um escritório familiar e agora começou um processo de expansão. Meu principal trabalho é escutar o que os gênios nerds têm a dizer. Suas reclamações, suas angústias... ou seja, eu sou a terapeuta particular de todos os funcionários da empresa. Foi o mais próximo que eu consegui chegar da minha profissão.

─ Mas sabe, acho que você vai gostar do outro andar... lá tem uns caras bonitos... sabe? Bem bonitos... ─ Ana diz em voz baixa, com medo que nossos antigos vizinhos de departamento nos escutem. Rio alto com a direção que os pensamentos dela tomam. Olho em volta discretamente e acabo concordando com ela mentalmente.

─ Ana... qualquer lugar que não seja esse vai ter mais homens... nós trabalhamos com Recursos Humanos... sabe o que dizem né ─ respondo sem disfarçar a voz. Eu sei que a tendência das pessoas de prestarem atenção no que você tenta falar em voz baixa é maior se você falar normalmente. Não há segredos ou fofocas para se tirar de algo que você fala para todos escutarem – então ninguém realmente escutava.

─ Você tem razão... Melinda, senti a sua falta ─ Ana me surpreende com um abraço apertado, mas não consigo deixar de sorrir e retribuir o abraço. Eu posso ter todas as dúvidas do universo sobre o que estou fazendo com a minha vida profissional, mas não poderia jamais reclamar de qualquer um que trabalha comigo. Todos são especiais e sensíveis, e para falar a verdade, eu tenho muita sorte nesse sentido. Apenas nesse sentido – acabo frisando mentalmente.

─ Eu também senti sua falta, Aninha ─ dou um beijo no rosto sorridente de Ana e aponto para as caixas ─ e agora, o que eu faço com isso? Não acho que eu consigo levar tudo para cima sozinha.

─ Agora que você já arrumou tudo, deixa as caixas aí, nós temos que avisar o pessoal do Marketing para eles virem com o carrinho buscar. Vamos logo conhecer seu novo lugar, vai. As meninas devem estar com saudade de você também ─ Ana começa a me empurrar em direção ao corredor e eu não posso fazer nada a não ser acompanha-la. Meus atendimentos acontecem em diversos lugares, como a cafeteria do quinto andar, ou ainda do lado de fora, no fumódromo. Entre os períodos de atendimento eu fico sempre na mesa com as meninas. Laura é a única que faz o mesmo trabalho que eu, enquanto que as outras nos ajudam com as burocracias e também com as psicólogas responsáveis pela seleção e recrutamento.

A Chance do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora