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A semana finalmente chega ao fim e eu estou aliviada em não ter que pensar mais na tensão que se tornou o ato de ir para o trabalho. Tudo o que eu quero é ficar longe do marrento e de qualquer lembrança dele.

─ Mel, vamos no Zé hoje? ─ Laura chama minha atenção e eu sorrio em concordância. Eu preciso muito de uma boa cerveja gelada para carregar todo o tormento daquela semana embora. Até consigo sentir o sabor dela descendo pela minha garganta, me deixando com água na boca.

─ Agora sim eu vi vantagem, Laurinha... vamos sim! ─ respondo animada, olho para o relógio e fico ainda mais feliz ao constatar que faltam apenas 10 minutos para o fim do expediente. Faz algum tempo que nós não vamos ao bar e eu sinto falta da companhia de Laura fora da empresa.

Pelo nosso trabalho, as pessoas tendem a nos ver como pilares, e fica difícil descontrair um pouco que seja nesse ambiente. A Laura até consegue, mas eu sempre tenho dificuldade em demonstrar qualquer emoção que seja – é complicado quando a maioria das pessoas te conhecem e você conhece a maioria dos segredos delas.

E também há o fato de que essa semana foi muito mais tensa do que qualquer outra, mesmo que eu tenha conseguido evitar o marrento depois do episódio do café... ele está sempre lá, na impressora em frente à minha mesa, na porta do banheiro conversando com alguém, esperando o elevador no mesmo horário que eu quero descer para fumar.

Fica muito difícil evitar uma pessoa que parece te perseguir – ainda mais se ela é arrasadoramente linda. É praticamente impossível deixar que seus olhos não vaguem diretamente a ela.

Assim que vejo o relógio mostrar 18:00 jogo todas as minhas coisas desajeitadamente na bolsa e pego no braço de Laura, arrastando-a para fora do prédio.

─ Minha filha, a cerveja não vai fugir de lá, sabia? ─ Laura ri da minha pressa, mas não faz nenhum esforço para me parar.

─ Eu sei Laurinha, só preciso chegar logo lá, sabe como eu adoro aquele lugar ─ torço um pouco o nariz. Na verdade, eu odeio o Zé (o bar, não o moço que dá nome para ele), um boteco simples que fica próximo do nosso trabalho, que nas sextas-feiras fica abarrotado dos nossos colegas, tentando manter uma interação social. E como eu disse: eu conheço a maioria dos segredos obscuros da maior parte deles – a impotência sexual é o menor daqueles segredos.

Mas esse é o melhor plano que eu tenho no momento. Qualquer outro bar justo com a qualidade da cerveja do Zé fica a pelo menos 15 minutos de caminhada – e eu preciso da minha cerveja imediatamente.

Assim que chegamos ao bar, encontramos alguns conhecidos do recrutamento e seleção e nos enturmamos em seu grupinho um tanto alegre – parece que eles tiveram ainda mais pressa do que eu para deixar a semana de trabalho para trás.

Eu não posso julgá-los.

Sem que eu possa ver de onde, dois copos cheios de cerveja gelada se materializam em nossas mãos, e com a primeira pontada verdadeira de alívio, eu brindo com os outros, o coração mais leve do que qualquer outro momento, desde o dia em que voltei para o trabalho.

É disso que eu preciso: paz, amigos, uma boa cerveja.

Não percebo as horas se passando, o céu se tingindo de laranja e logo depois naquele tom de roxo com azul escuro que eu tanto amo, e eu continuo no mesmo lugar com meu grupo, ouvindo histórias do que aconteceu enquanto eu estive fora. O bar, como eu suspeitei antes, está tão cheio de gente que é praticamente impossível se mexer, então espero até o último minuto suportável para abrir a torneira – ou seja, ir ao banheiro pela primeira vez.

Aviso uma Laura trêbada onde estou indo – duvido que ela tenha entendido qualquer palavra que eu digo, já que apenas ri alto para mim – e com um pouco de esforço consigo me espremer entre as pessoas para dentro do bar. Eu também estou um pouco bêbada, mas nada absurdo – meus irmãos vão me matar se eu chegar fedendo à álcool em casa sem saber meu nome do meio (mesmo eu não tendo um nome do meio, no caso).

A Chance do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora