Meu coração bate descompassado enquanto eu arranjo desculpas e junto minhas coisas. Seguro o choro com o máximo de dignidade que consigo reunir e enfio os fones de ouvido nas orelhas, ligando uma música desnecessariamente alta e barulhenta.
Viro a esquina da Avenida Faria Lima, decidida a andar até minha casa, que não fica tão longe assim – próxima à Avenida Santo Amaro. Está tarde, mas eu não estou preocupada com o perigo de andar na rua sozinha, eu só quero fugir para bem longe daquelas pessoas que não têm uma única palavra de gentileza para dizer sobre mim.
Para bem longe dele também, que me fez ouvir tudo. Que abala minha calma dessa maneira, me perturbando intimamente.
As lágrimas acabam descendo quentes pelo meu rosto, mas nenhum alívio segue, apenas um aperto maior no coração. A mesma música que eu escutava quando quase derrubei café nele começa a tocar, terminando de acabar com o meu humor.
Pulo a música imediatamente e outra pior começa, Ausência, do Bruno e Marrone. Parece que o mundo está conspirando para que eu enlouqueça.
A letra da música entra em mim como um choque elétrico, fazendo meu corpo inteiro sentir falta do calor que a presença dele causa.
É ridículo ficar dessa maneira por alguém que eu não conheço... eu que sempre fui cautelosa com assuntos amorosos... que sobrevivi 28 anos sem grandes problemas – se você olhar pelo ângulo correto.
Eu estou ficando desesperada como a mulher da música, e a vontade de gritar só é interrompida quando avisto um grupo de garotos vindo em minha direção, apontando seus dedos para mim sem disfarçar.
Meu corpo fica imediatamente alerta e por um segundo eu me arrependo de ter colocado o fone de ouvido. Se queria ir andando para casa deveria ter deixado tudo bem guardado no fundo da bolsa.
─ E aí gatinha... qual é a boa? ─ o garoto que eu suponho ser o líder do bando fala comigo enquanto os outros me cercam devagar.
Meu coração dispara, o álcool e qualquer outra preocupação se dissipam enquanto eu olho para os moleques que não devem ter passado há muito tempo dos 18 anos, mas logo me lembro do frasco que meu irmão mais velho tinha contrabandeado para mim dos EUA. Está num compartimento interno da bolsa e eu consigo senti-lo contra minhas costelas. Eu só preciso de uma oportunidade para pegar o frasco...
─ Na verdade, eu estou perdida... não sei se vocês poderiam me ajudar... ─ abro a bolsa e finjo procurar um papel, quando sinto um deles agarrar meu braço com força. Quando acho o cilindro gelado, levanto o rosto e sorrio com escárnio para eles, disparando o jato do spray de pimenta primeiro no que segura meu braço.
Os garotos claramente não esperavam uma reação dessas e quando eu viro o jato para os outros, eles já começam a correr na direção oposta, me xingando de todos os nomes possíveis. E a minha mãe também.
Eu sorrio, contente com a minha vitória, mas logo começo a me engasgar com o spray de pimenta, procurando apoio na parede de uma construção, sem conseguir respirar direito. O spray de pimenta é uma faca de dois gumes, porque me ajuda em casos como esse, mas eu também tenho alergias respiratórias e o menor vestígio do spray me deixa sem ar.
Eu acredito que vou desmaiar quando sinto uma mão nas minhas costas, e com o susto – acreditando que alguém tinha voltado para tirar satisfações – acabo levantando o spray para a pessoa, mas eu estou muito mais engasgada do que imaginava e ele acaba caindo das minhas mãos. Eu não consigo ver direito quem é, mas de algum modo eu sei... sinto calor que existe apenas quando ele está perto de mim.
─ Você é louca? Sabia que aqueles moleques podiam estar armados? ─ a voz grossa dele demonstra que apesar de ele achar que eu sou louca por reagir, está se divertindo ─ e já deu pra perceber que você nem sabe usar isso direito... sabe que tem que disparar neles e não em você, né?
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A Chance do Tempo
Chick-Lit"Melinda não é feliz. Apesar de ter uma família amorosa, trabalhar com algo que parece fazer a diferença para alguém - mesmo que não para ela - e ter ótimas amigas, falta algo. Mas ela deixa de pensar nisso quando o seu mundo vira de ponta cabeça ap...